Escritores uberabenses - "O AZUL MENOS O NOME", de Carlos Roberto Lacerda

Por Guido Bilharinho,



A arte em geral e a poesia em particular (e especialmente) só se configuram por meio de construção de obra que, pautada única e essencialmente pelo objetivo ou finalidade estética, ainda seja, em não menor grau, fundamentada em trabalho, rigor, contenção, elaboração e pesquisa da linguagem, quando não em experimentos e criação de novas linguagens. Não se compadecem, pois, com subjetivismo, inspiração, catarse, voluntarismo, amadorismo e facilitário generalizados e imperantes.

São (e devem ser) sempre preocupação visceral e ocupação constante do artista.



A obra de Carlos Roberto Lacerda (1947, Pirajuba/Triângulo, distante 96 km. de Uberaba), resulta da conjugação desses requisitos com a elisão, consciente, proposital, dos fatores negativos apontados, inserindo-se, em consequência, no estrito e restrito círculo da arte poética. É poesia. O que é raro, hoje em dia e em qualquer época, independentemente do conceito, avaliação e repercussão social da arte e da poesia.
Arte com Carlos Roberto Lacerda, In: Suplemento Especial/Documento/Cultura, do Jornal da Manhã, de 2 de dezembro de 1979. Autor: Hélcio 

Momentos do poeta Carlos Roberto Lacerda, 2013.

A obra poética de Lacerda vem sendo construída paulatinamente desde os meados da década de 1960, amadurecendo e se aperfeiçoando no decorrer das décadas de 1970 e 1980, sob o crivo do rigor, da depuração e do aprimoramento estéticos. Desde os poemas iniciais publicados no Suplemento Cultural do Correio Católico, editado em Uberaba, intermitentemente, de julho/68 a julho/72, passando pelos primeiros números da revista Convergência e pelos já vinte números da revista Dimensão e, concomitantemente, corporificando-se na plaqueta A Paisagem do Morto (1973) e no livro Astérion (1983).

Agora, nos albores da década de 90 e em continuidade, surge O Azul Menos o Nome (1991), no qual todas as virtualidades e preocupações estéticas que sempre marcaram a trajetória de sua obra poética não só estão presentes, como, em muitos casos, para não dizer em todos, revelam maior grau de depuramento, contenção verbal e rigor elaborativo.


Avesso ao discursivo, à desossada linearidade e ao aguado lirismo tradicionais, esse livro assenta-se sobre a palavra, matéria da poesia e do poeta, sem a subordinar a ideias, conceitos, sentimentos e emoções. Mesmo podendo contar com um ou vários desses elementos, sua utilização, além de acidental ou acessória, é trabalhada, burilada e filtrada pela inteligência, sensibilidade, consciência e informação estéticas.
Alguns dos livros de poesia publicados por Carlos Roberto Lacerda

Entre as duas grandes vertentes artísticas existentes, a barroca (exuberante, expansiva, criativa, na linha, no Brasil, por exemplo, de José de Alencar, Guimarães Rosa, Gláuber Rocha) e a clássica (objetiva, contida, rigorosa, na linhagem, no país, por exemplo, de Machado de Assis, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Nélson Pereira dos Santos), essa obra insere-se, sem dúvida, na segunda, constituindo um de seus pontos altos. Que nela, ou em qualquer outra obra de arte, não se procurem mensagens, cifradas ou não. É que o artista não é estafeta, mas, produtor de beleza. E isso, exatamente, é o que existe em O Azul Menos o Nome: a beleza produzida pelo artista.

(in O Azul Menos o Nome, 1991, prefácio,
inserido  no  livro  Literatura  e  Estudos
Históricos     em    Uberaba,    no    prelo)

*

Adendo: Carlos Roberto Lacerda posteriormente transferiu residência para Goiânia, onde fez mestrado em Letras e publicou o também notável Antifaces. Juntamente com os uberabenses Jorge Alberto Nabut e Maria Aparecida Vilhena dos Reis figura entre os maiores poetas brasileiros do século XX, como se pode verificar por suas obras e pela seleção de poemas constantes da antologia A Poesia em Uberaba: Do Modernismo à Vanguarda, editada em 2003.

Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.

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