AS QUATRO PARTES DO FILME - Crítica de Cinema
Obra de Hildebrando de Melo |
Por Guido Bilharinho*
A
semelhança de um fruto, por exemplo, o filme apresenta, num certo sentido,
quatro partes principais: envoltório ou casca, membrana ou película, polpa ou
matéria e, finalmente, o núcleo (conteúdo e forma).
No caso,
o envoltório ou casca consiste na infra-estrutura de produção convocada e posta
a serviço de sua realização, permitindo ao diretor a organização e condução da
narrativa,
fornecendo-lhe
meios e modos para que seja efetivada e transmitida com a
maior
perfeição possível.
A
membrana ou película (significando a fina pele que entremeia a casca e a polpa,
mantendo-as unidas), prefigura-se na competência técnica do diretor e demais
membros da equipe.
A polpa
ou matéria compreende a estória, os fatos e a ação. À primeira vista, segundo o
entendimento corrente, seria o fator principal de qualquer obra de ficção.
No
entanto, simples envoltório, apenas representa, como no símile natural,
elemento que compõe o filme, independentemente da casca e até da película,
solidificando e mantendo a polpa agregada.
A casca,
não obstante sua função, pode estar solta e ser até extraída ou retirada que o
fruto permanece unificado, íntegro.
Já, a
precariedade da membrana ou película acarreta automática atrofia do
núcleo. Quer isso dizer que tanto a
competência e a técnica quanto a ação e os fatos, por melhores sejam, ainda não
configuram a obra ou filme, mas, suas partes externas, com funções específicas e
relativa importância.
O que se
deve considerar, segundo Hegel, não é a estória, mas, o aqui denominado núcleo
(concepção e expressão), ou seja, seu sentido, significado e elaboração formal,
sintetizando continente e conteúdo internos.
O que
distingue filme comercial de filme de arte é apenas sua quarta parte. As demais,
por alheias ao específico artístico, não têm o condão de diferençar, qualificar
ou desqualificar
a realização,
atribuindo-lhe essa ou aquela categoria.
Em consequência,
pode-se ter filme competente e seguramente dirigido, tecnicamente perfeito,
contando com entrecho repleto de peripécias, intrigas, ação, lances dramáticos ou
fulminantes, hábil e coerentemente narrados, trançados ou entrançados, mas que
não seja arte, não atingindo o grau, o nível e as condições próprias,
necessárias e indispensáveis a essa condição. Ou seja, seu conteúdo é vazio de
sentido, de verdade humana e carente de sutileza, perspicácia e tratamento sofisticado.
Ao contrário, pois, da percepção corrente, na hipótese quatripartite considerada,
o núcleo perfaz todo o complexo autoral e unitário que engloba desde o entendimento
do mundo até a maneira (ou forma) de conduzir o drama humano enfocado e de
utilizar a linguagem cinematográfica.
Constitui,
pois, concepção unitária e ao mesmo tempo abrangente do que seja (ou deva ser
entendido) como núcleo ou cerne de qualquer obra ficcional, independentemente
da arte em que se manifeste, seja literatura (que inclui o texto teatral), seja
cinema.
Esse
entendimento do fenômeno ou prática ficcional faculta sua compreensão, análise
e avaliação, classificando- o ou desclassificando-o sob o ponto de vista
artístico. Mesmo que se não o faça de imediato, consciente e eficazmente (por meio
da crítica), o passar dos seres humanos pelo tempo encarrega-se de separar uns
e outros ou uns dos outros, relegando ao oblívio os que não atingiram o status
artístico, condenando-os ao desaparecimento.
(do livro
inédito Ficção e Cinema)
Artigo publicado no periódico "Cultura: Jornal Angolano de Artes e Letras". Ed. 5 a 18 de Dezembro de 2016 | Nº 123 | Ano V • Diretor: José Luís Mendonça
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Guido
Bilharinho é advogado atuante em Uberaba/Brasil, editor da revista
internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de Literatura
(poesia, ficção e crítica literária), Cinema (história e crítica), História (do
Brasil e regional).
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