20 DE NOVEMBRO: DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA
“Ponha ouvido, orelha, língua boca na cara da consciência. (...) Ponha
oxigênio e gás carbônico no ar de consciência” (Arnaldo Antunes)
Em 20 de
novembro é celebrado o dia da
“Consciência Negra”. O
momento tem como referência a morte de Zumbi ocorrida em 1695, um marco na
memória da resistência negra à escravidão no Brasil que por mais de um século
manteve incólume o Quilombo de Palmares em Pernambuco até 1710. Diversos
municípios brasileiros decretam feriado durante esta data, onde movimentos
sociais, a imprensa, escolas, entidades e determinados intelectuais valem-se da
ocasião para discutir a inserção do negro na sociedade atual, o legado e a
identidade cultural brasileira.
Em 1955, na obra
“Tristes Trópicos”, o sociólogo francês Levi Strauss constatava que o Brasil se
revelava como um “país sem memória”, ao sofrer os efeitos de uma intensa
fricção interétnica em contraste com a modernidade avassaladora. Com uma
percepção de um “olhar de quem vem de fora” e carrega consigo determinados
estereótipos sobre o conceito de nação, essas imagens que pairavam no discurso de Strauss
acabaram sendo forjadas durante sua visita ao País nos anos de 1930,
constituídas em suma, pela observação das reminiscências de um passado
nostálgico, degradadas pela “flecha do tempo” sem nenhum compromisso com as
identidades e a memória.
Como Strauss, ao
longo da história do pensamento brasileiro, pesaram imagens valorativas e
depreciativas sobre o Brasil no discurso de pequenos grupos de letrados, como:
literatos, historiadores, antropólogos, sociólogos, jornalistas, médicos,
sanitaristas, juristas, políticos, entre outros ao que se pesavam as
contradições entre o bucólico x barbárie, a natureza x civilização e o mito das
três raças: índios, brancos e negros. Assim posto, esses elementos foram
corriqueiramente reportados e cogitados como um dos vieses para explicar as
nossas origens, sucessos, insucessos, vícios, subdesenvolvimento,
marginalidade, inferioridade ou superioridade racial, atrasos e fracassos.
Sem querer tomar
partido desse ou daquele grupo político e sem querer descolar a expressão “um
país sem memória” no tempo e no espaço, certos acontecimentos recentes da
vida política brasileira em determinados aspectos revelam sob o enfoque de crises,
reivindicações, insatisfações quanto aos destinos do País, alguns de nossos
dilemas históricos e imagens de um Brasil que em muitos momentos parece querer
se camuflar. Essa camuflagem
nos é apresentada cotidianamente em discursos de um país em plena integração de
seu povo, livre de preconceitos como se a questão do racismo e da discriminação
fossem etapas vencidas de um passado remoto. O ideário da “democracia racial”
ressoa ainda nos dias de hoje como se o Brasil estivesse à frente de outras
nações.
A tônica do
discurso da camuflagem traz uma questão a ela embutida que é a problemática da
“amnésia”. Ao se tratar das
questões políticas do contexto dos acontecimentos recentes, afloram-se
discursos diversificados sobre um mesmo objeto, o que num ambiente democrático
sem dúvida é necessário e importante. Por outro lado, a camuflagem é desnudada
quando apresentada em análises preconceituosas, em uma vaga noção de nação à
defesa de jogos de interesses, que
na visão de muitos pretendem dividir a sociedade ao invés de reivindicar
valores efetivos a um bem-comum.
Esse fenômeno
não se restringe apenas a essas determinadas problemáticas, pois discursos
conservadores ganham espaço propondo a necessidade de homogeneizar as
diferenças numa fórmula que busca delinear os motivos de nosso atraso. Sendo
assim, à medida que crescem os movimentos reivindicatórios, ganham espaço
também os seguidores de porta-vozes contra as questões de gênero, religiosa e
social, sob o enfoque de discursos moralizantes, sem nexos com a memória, a
história do País e até mesmo a ética. Em novas roupagens parecem sopesar
como no passado, os ideários de classificação dos “inferiores”, tais como: os
preguiçosos, os acomodados, degenerados, materializados ainda nos pobres,
negros, índios, nordestinos, homossexuais, desvalidos, marginalizados...
A camuflagem em
não nos deflagramos com o nosso passado revela outra face perversa da
“amnésia”. Interpretações
vazias de conteúdo e sentido trazem a lógica mirabolante que um novo regime
autoritário solucionaria todos nos nossos problemas. Para esses, a democracia “é como um
feitiço que se voltou contra o feiticeiro”. Relutam em questionar que, por mais que existam falhas, essa é a única via possível para apontar efetivamente nossos
problemas de fundos políticos, econômicos, nossas distâncias e diferenças
históricas e a reorganização entre o equilíbrio de forças.
Portanto, não
nos esqueçamos de que o autoritarismo está arraigado na nossa cultura política
ao longo dos tempos e foi uma das fórmulas mais eficazes de calar as vozes
daqueles que hoje gritam. São dos resquícios do autoritarismo, que herdamos
muitos dos males que prevalecem, como: o privilégio a pequenos grupos, a
corrupção, as diferenças sociais antagônicas e a divisão entre os “bons”, seus
“amigos” e os “outros”.
É preciso cada
vez mais realizar a ocupação de novos espaços e discutir o nosso passado
enquanto povo brasileiro, diverso e plural. Dessa forma, é inquestionável a
importância do dia da Consciência Negra, contudo mais do que um marco, torna-se
emergencial reflexões profundas e novas ações da sociedade naquilo que se pode
esperar enquanto uma “consciência” para as questões pertinentes as identidades
e as políticas reparatórias. Ainda há um longo caminho a percorrer...
Thiago Riccioppo – é historiador da Superintendência de Arquivo Público de
Uberaba - APU e da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu - ABCZ;
professor na Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC/ Uberaba e mestre
em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU.
“Ponha ouvido, orelha, língua boca na cara da consciência. (...) Ponha
oxigênio e gás carbônico no ar de consciência” (Arnaldo Antunes)
Em 20 de
novembro é celebrado o dia da
“Consciência Negra”. O
momento tem como referência a morte de Zumbi ocorrida em 1695, um marco na
memória da resistência negra à escravidão no Brasil que por mais de um século
manteve incólume o Quilombo de Palmares em Pernambuco até 1710. Diversos
municípios brasileiros decretam feriado durante esta data, onde movimentos
sociais, a imprensa, escolas, entidades e determinados intelectuais valem-se da
ocasião para discutir a inserção do negro na sociedade atual, o legado e a
identidade cultural brasileira.
Em 1955, na obra
“Tristes Trópicos”, o sociólogo francês Levi Strauss constatava que o Brasil se
revelava como um “país sem memória”, ao sofrer os efeitos de uma intensa
fricção interétnica em contraste com a modernidade avassaladora. Com uma
percepção de um “olhar de quem vem de fora” e carrega consigo determinados
estereótipos sobre o conceito de nação, essas imagens que pairavam no discurso de Strauss
acabaram sendo forjadas durante sua visita ao País nos anos de 1930,
constituídas em suma, pela observação das reminiscências de um passado
nostálgico, degradadas pela “flecha do tempo” sem nenhum compromisso com as
identidades e a memória.
Como Strauss, ao
longo da história do pensamento brasileiro, pesaram imagens valorativas e
depreciativas sobre o Brasil no discurso de pequenos grupos de letrados, como:
literatos, historiadores, antropólogos, sociólogos, jornalistas, médicos,
sanitaristas, juristas, políticos, entre outros ao que se pesavam as
contradições entre o bucólico x barbárie, a natureza x civilização e o mito das
três raças: índios, brancos e negros. Assim posto, esses elementos foram
corriqueiramente reportados e cogitados como um dos vieses para explicar as
nossas origens, sucessos, insucessos, vícios, subdesenvolvimento,
marginalidade, inferioridade ou superioridade racial, atrasos e fracassos.
Sem querer tomar
partido desse ou daquele grupo político e sem querer descolar a expressão “um
país sem memória” no tempo e no espaço, certos acontecimentos recentes da
vida política brasileira em determinados aspectos revelam sob o enfoque de crises,
reivindicações, insatisfações quanto aos destinos do País, alguns de nossos
dilemas históricos e imagens de um Brasil que em muitos momentos parece querer
se camuflar. Essa camuflagem
nos é apresentada cotidianamente em discursos de um país em plena integração de
seu povo, livre de preconceitos como se a questão do racismo e da discriminação
fossem etapas vencidas de um passado remoto. O ideário da “democracia racial”
ressoa ainda nos dias de hoje como se o Brasil estivesse à frente de outras
nações.
A tônica do
discurso da camuflagem traz uma questão a ela embutida que é a problemática da
“amnésia”. Ao se tratar das
questões políticas do contexto dos acontecimentos recentes, afloram-se
discursos diversificados sobre um mesmo objeto, o que num ambiente democrático
sem dúvida é necessário e importante. Por outro lado, a camuflagem é desnudada
quando apresentada em análises preconceituosas, em uma vaga noção de nação à
defesa de jogos de interesses, que
na visão de muitos pretendem dividir a sociedade ao invés de reivindicar
valores efetivos a um bem-comum.
Esse fenômeno
não se restringe apenas a essas determinadas problemáticas, pois discursos
conservadores ganham espaço propondo a necessidade de homogeneizar as
diferenças numa fórmula que busca delinear os motivos de nosso atraso. Sendo
assim, à medida que crescem os movimentos reivindicatórios, ganham espaço
também os seguidores de porta-vozes contra as questões de gênero, religiosa e
social, sob o enfoque de discursos moralizantes, sem nexos com a memória, a
história do País e até mesmo a ética. Em novas roupagens parecem sopesar
como no passado, os ideários de classificação dos “inferiores”, tais como: os
preguiçosos, os acomodados, degenerados, materializados ainda nos pobres,
negros, índios, nordestinos, homossexuais, desvalidos, marginalizados...
A camuflagem em
não nos deflagramos com o nosso passado revela outra face perversa da
“amnésia”. Interpretações
vazias de conteúdo e sentido trazem a lógica mirabolante que um novo regime
autoritário solucionaria todos nos nossos problemas. Para esses, a democracia “é como um
feitiço que se voltou contra o feiticeiro”. Relutam em questionar que, por mais que existam falhas, essa é a única via possível para apontar efetivamente nossos
problemas de fundos políticos, econômicos, nossas distâncias e diferenças
históricas e a reorganização entre o equilíbrio de forças.
Portanto, não
nos esqueçamos de que o autoritarismo está arraigado na nossa cultura política
ao longo dos tempos e foi uma das fórmulas mais eficazes de calar as vozes
daqueles que hoje gritam. São dos resquícios do autoritarismo, que herdamos
muitos dos males que prevalecem, como: o privilégio a pequenos grupos, a
corrupção, as diferenças sociais antagônicas e a divisão entre os “bons”, seus
“amigos” e os “outros”.
É preciso cada
vez mais realizar a ocupação de novos espaços e discutir o nosso passado
enquanto povo brasileiro, diverso e plural. Dessa forma, é inquestionável a
importância do dia da Consciência Negra, contudo mais do que um marco, torna-se
emergencial reflexões profundas e novas ações da sociedade naquilo que se pode
esperar enquanto uma “consciência” para as questões pertinentes as identidades
e as políticas reparatórias. Ainda há um longo caminho a percorrer...
Thiago Riccioppo – é historiador da Superintendência de Arquivo Público de
Uberaba - APU e da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu - ABCZ;
professor na Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC/ Uberaba e mestre
em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU.
Sobre o Dia da Consciência Negra assista este trabalho:
Produzido pelo
professor da Universidade Estadual de Londrina – UEL André Fonseca Azevedo da
Fonseca, este vídeo recupera pontos importantes da história de lutas dos
movimentos negros – dos quilombos do século XVII ao estatuto da igualdade
racial em 2010. É um bom vídeo para ajudar a compreender a
importância do Dia Nacional da Consciência Negra. Vejam e compartilhem também! Essa é uma reflexão indispensável a todos
os brasileiros.
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