Filmes Brasileiros: CLARO, de Glauber Rocha
Por Guido Bilharinho
A trajetória artística e pessoal de Gláuber Rocha é conhecida por todos que se interessam pelo cinema brasileiro.
Até 1969, ano em que realizou O Dragão da Maldade Contra
o Santo Guerreiro, sua filmografia fundamentou-se, excetuado o filme Câncer, em problemática ora nordestina
ora nacional, destacando-se artisticamente como uma das mais expressivas do
cinema por força do vigor da narrativa, da criatividade formal e da
clarividência temática.
Após desenraizado de suas fontes primordiais, já que exilado
na Europa, os filmes que fez carecem de melhores fundamentação e
sistematização, conquanto autorais, condição de que não abdicou.
A partir daí tais filmes não mais apresentam linha
expositiva lógica e concatenada, mas, blocos fragmentados, no interior dos
quais desenvolve-se sincopadamente o fio dramático.
Montagens de cenas com o cineasta brasileiro Gláuber Rocha. Fonte: laparola.com.br |
Em Claro (1975) esse processo, iniciado em O Leão de Sete
Cabeças (1970), radicaliza-se, esvaindo-se a narrativa numa série de
situações contextualmente autônomas, apenas ligadas pela presença e
participação da protagonista, nem que seja somente como ouvinte das alocuções
de outras personagens.
Essa
estrutura, descomprometida com qualquer trama e sua coerência, permite livre
espaço/tempo para o exercício arbitrário de suas razões. Porque o filme, que de
ficção só possui duas ou três sequências, resume-se, além de mostrar a cidade
de Roma, onde transcorrem as filmagens, na verbalização por eventuais
figurantes de ideias e ideais políticos do cineasta.
Não pode, por isso, ser considerado obra ficcional, mas, documental, que ora capta diretamente flagrantes da paisagem urbana da cidade e seus habitantes, ora estadeia situações, em que as personagens, com uma ou outra exceção (a exemplo da cena de Mário e Carlos no quarto enquanto se vestiam) não se relacionam efetivamente, limitando-se apenas à exposição de discursos vinculados à história, à política ou à Roma.
Cena do filme Claro, de Gláuber Rocha, 1975. |
Claro significa – e isso claramente
– esgotamento da capacidade elaborativa e formulatória de Gláuber em termos
ficcionais, particularidade notada desde O Leão de Sete Cabeças. Ao
invés, pois, de estruturação de fatos, relacionamentos, dramas, tragédias ou
mesmo comédias, tem-se montagem fragmentária de circunstâncias (apenas algumas)
e de manifestações verbais, diretas ou dialogais, de proposições e teses.
No caso específico desse filme, nada que ensaio escrito não
pudesse veicular com mais objetividade e proveito. Vale, no entanto, pela
eficácia dos décors de interiores esteticamente montados e das locações
externas, cuja beleza decorre tanto do que contêm quanto de sua imagem
cinematográfica.
A flexibilidade e propriedade do posicionamento e manejo da
câmera só podem ser feitas, como o foram, por grande artista e cineasta,
valorizando cada tomada e cada cena, todas impregnadas de efetivo requinte
visual.
Em consequência, independentemente do que as personagens
dizem, mas não do que externalizam facial e corporalmente, o filme configura
obra cinematográfica que dispensa o discurso, mas não o som, a música, os
ruídos. O exemplo emblemático dessa circunstância espelha-se em três momentos:
a longa sequência inicial, na qual a protagonista movimenta-se e contraponteia
indecifrável canto ou pregão árabe, a participação do próprio Gláuber logo em
seguida, emitindo frases também indecifráveis e, ainda, ao final, quando
adentra bairro suburbano de Roma e dialoga com a população. Nada se entende do
que se diz. E não faz falta.
(do livro Seis Cineastas Brasileiros. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2013 )
Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de1980 a
2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e
regional, entre os quais Personalidades
Uberabenses, recém lançado.
(do livro Seis Cineastas Brasileiros. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2013 )
Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de
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