Filmes brasileiros: A Casa Assassinada, de Paulo César Saraceni
Por Guido Bilharinho
Não é fácil ao cineasta realizar filme intimista, como muitos romancistas preferiram fazer na literatura. A imagem cinematográfica exige, por princípio, o movimento. Não quer isso dizer, no entanto – sem configurar contradição, ao contrário – que só é cinema ou bom cinema os filmes de muita ação e agitação. Não é porque a imagem incessantemente se move que pessoas e coisas filmadas devem acompanhá-la. O que se sucede ininterruptamente é a imagem, vindo uma após outra. O objeto filmado, matéria da imagem, forma outra realidade, conquanto a componha. Todavia, tanto um quanto outra perfazem corpos distintos, independentes, prescindindo o objeto da imagem, visto ter existência autônoma.
Não é fácil ao cineasta realizar filme intimista, como muitos romancistas preferiram fazer na literatura. A imagem cinematográfica exige, por princípio, o movimento. Não quer isso dizer, no entanto – sem configurar contradição, ao contrário – que só é cinema ou bom cinema os filmes de muita ação e agitação. Não é porque a imagem incessantemente se move que pessoas e coisas filmadas devem acompanhá-la. O que se sucede ininterruptamente é a imagem, vindo uma após outra. O objeto filmado, matéria da imagem, forma outra realidade, conquanto a componha. Todavia, tanto um quanto outra perfazem corpos distintos, independentes, prescindindo o objeto da imagem, visto ter existência autônoma.
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Cartaz do filme de 1971, destacando o ator Carlos Kroeber. Fonte: Cinemateca Brasileira. |
No entanto, a imagem, mesmo sempre se vinculando ao que
contém, não lhe está jungida, podendo desvencilhar-se e passar a focalizar
outro ou outros objetos, aleatória ou intencionalmente.
Em
consequência, não importa à imagem cinematográfica, para se constituir, que seu
conteúdo seja estático ou não, desde que ela não o seja.
Assim, pode-se perfeitamente realizar filme intimista,
carregado de subjetividade, sem prejuízo da ininterrupta sucessividade
imagética cinematográfica.
Contudo, dada sua natural dificuldade, poucos são os
cineastas que se aventuram a esse cometimento.
Ao filmar o tema do romance Crônica da Casa Assassinada (1959), de Lúcio Cardoso, o cineasta
Paulo César Saraceni (Rio de Janeiro/RJ, 1933-2012) poderia optar por dirigir
obra intimista ou de ação.
No filme daí resultante, A
Casa Assassinada (1970), elege a segunda via, procurando conciliar, em
grande tour-de-force, as angústias
pessoais e os conflitos interpessoais de suas sofridas e amargas personagens.
Se aquelas as convulsionam intimamente, sua materialização fílmica só se dá
quando as opõem entre si, exteriorizadas em ação nem que seja, como no caso,
dialógica.
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Timóteo (Carlos Kroeber) e Nina (Norma Bengell) em cena do filme - A Casa Assassinada, de 1971. Fonte: TV Brasil |
Ao contrário do que se supõe, a ação fílmica não se
concretiza apenas em movimentação física das personagens, mas, principalmente,
no seu relacionamento interpessoal mediante gestos, olhares, expressões faciais
e oralização de seus interesses, propósitos, temores e toda a gama de emoções
características do ser humano.
No caso, a movimentação corporal ocorrente mais não faz e
mais não significa do que a procura do outro ou o encontro com o outro para,
por meio da palavra, expor desavenças, amores ou contrariedades.
Em decorrência disso, ao decidir-se o cineasta pela
verbalização da subjetividade individual e pela exterioridade conflitual,
envereda pela ação. Porém, não a ação em si ou por si mesma, mas, como reflexo
da intimidade do indivíduo posta frente ao mundo, à realidade concreta que o
circunda.
Se se substitui a personagem pensando consigo mesma pela
personagem dialogando com outrem, não se perde de todo, contudo, o cerne substancial
de sua subjetividade e tortura íntima, que se manifesta também na face, na
postura e nas atitudes.
Os dramas individuais entrelaçam-se numa rede contristadora
apenas rompida pelos contatos amorosos, que mais a complicam e enredam em
dramas carregados de intrínseca tragicidade num filme belo na soturnidade de
suas vivências, décors e exuberante
paisagem rural, todas marcadas pela decadência e estagnação econômico-social
familiar, que moldam os caracteres, acentuam e agravam as pendências quando não
as originam e deflagram.
A segurança diretiva do cineasta e sua consciência do fazer
fílmico imprimem iguais atributos às interpretações, onde se salienta a notável
performance de Norma Benguel, que domina as cenas em que aparece numa das
melhores interpretações do cinema pela alta carga de consistência que imprime à
personagem.
Se no filme a ação é exposta pela dialogação, que assume,
pois, importância capital, a precariedade da gravação e/ou da transmissão do
som prejudica sua plena inteligibilidade e, por extensão, o próprio filme, que
exige, para sua fruição, sejam compreendidas as agruras, paixões e conflitos em
jogo.
Destaca-se, ainda, no filme a preocupação direcional pelos
enquadramentos das personagens nos décors
e nas locações externas, em mútua e constante interação e valorização, como se
as pessoas não pudessem existir e movimentar-se fora da paisagem e como se esta
não tivesse importância sem a presença humana.
(do livro Seis Cineastas Brasileiros. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2012)
(do livro Seis Cineastas Brasileiros. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2012)
Guido
Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de
poesia Dimensão de 1980 a 2000 e
autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.
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