Escritores uberabenses - "O AZUL MENOS O NOME", de Carlos Roberto Lacerda
Por Guido Bilharinho,
Guido
Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de
poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema,
história do Brasil e regional.
A arte em geral e a poesia em particular (e especialmente) só se configuram por
meio de construção de obra que, pautada única e essencialmente pelo objetivo ou
finalidade estética, ainda seja, em não menor grau, fundamentada em trabalho,
rigor, contenção, elaboração e pesquisa da linguagem, quando não em
experimentos e criação de novas linguagens. Não se compadecem, pois, com
subjetivismo, inspiração, catarse, voluntarismo, amadorismo e facilitário
generalizados e imperantes.
São (e
devem ser) sempre preocupação visceral e ocupação constante do artista.
A obra
de Carlos Roberto Lacerda (1947,
Pirajuba/Triângulo, distante 96
km . de Uberaba), resulta da conjugação desses requisitos
com a elisão, consciente, proposital, dos fatores negativos apontados,
inserindo-se, em consequência, no estrito e restrito círculo da arte poética. É
poesia. O que é raro, hoje em dia e em qualquer época, independentemente do
conceito, avaliação e repercussão social da arte e da poesia.
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Arte com
Carlos Roberto Lacerda, In: Suplemento Especial/Documento/Cultura, do Jornal da
Manhã, de 2 de dezembro de 1979. Autor: Hélcio
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Momentos do poeta Carlos Roberto Lacerda, 2013. |
A obra
poética de Lacerda vem sendo construída paulatinamente desde os meados da
década de 1960, amadurecendo e se aperfeiçoando no decorrer das décadas de 1970
e 1980, sob o crivo do rigor, da depuração e do aprimoramento estéticos. Desde
os poemas iniciais publicados no Suplemento
Cultural do Correio Católico, editado em Uberaba, intermitentemente, de
julho/68 a julho/72, passando pelos primeiros números da revista Convergência e pelos já vinte números da
revista Dimensão e, concomitantemente,
corporificando-se na plaqueta A Paisagem
do Morto (1973) e no livro Astérion (1983).
Agora,
nos albores da década de 90 e em continuidade, surge O Azul Menos o Nome (1991), no qual todas as virtualidades e
preocupações estéticas que sempre marcaram a trajetória de sua obra poética não
só estão presentes, como, em muitos casos, para não dizer em todos, revelam
maior grau de depuramento, contenção verbal e rigor elaborativo.
Avesso
ao discursivo, à desossada linearidade e ao aguado lirismo tradicionais, esse
livro assenta-se sobre a palavra, matéria da poesia e do poeta, sem a
subordinar a ideias, conceitos, sentimentos e emoções. Mesmo podendo contar com
um ou vários desses elementos, sua utilização, além de acidental ou acessória,
é trabalhada, burilada e filtrada pela inteligência, sensibilidade, consciência
e informação estéticas.
Alguns dos livros de poesia publicados por Carlos Roberto Lacerda |
Entre
as duas grandes vertentes artísticas existentes, a barroca (exuberante,
expansiva, criativa, na linha, no Brasil, por exemplo, de José de Alencar, Guimarães
Rosa, Gláuber Rocha) e a clássica (objetiva, contida, rigorosa, na linhagem, no
país, por exemplo, de Machado de Assis, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo
Neto, Nélson Pereira dos Santos), essa obra insere-se, sem dúvida, na segunda,
constituindo um de seus pontos altos. Que nela, ou em qualquer outra obra de
arte, não se procurem mensagens, cifradas ou não. É que o artista não é
estafeta, mas, produtor de beleza. E isso, exatamente, é o que existe em O Azul Menos o Nome: a beleza produzida
pelo artista.
(in O Azul Menos o Nome, 1991, prefácio,
inserido no
livro Literatura e Estudos
Históricos em
Uberaba, no prelo)
*
Adendo: Carlos Roberto Lacerda
posteriormente transferiu residência para Goiânia, onde fez mestrado em Letras
e publicou o também notável Antifaces.
Juntamente com os uberabenses Jorge Alberto Nabut e Maria Aparecida Vilhena dos
Reis figura entre os maiores poetas brasileiros do século XX, como se pode
verificar por suas obras e pela seleção de poemas constantes da antologia A Poesia em Uberaba: Do Modernismo à
Vanguarda, editada em 2003.
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