Filmes do Irã: A MAÇÃ - As Situações e Suas Circunstâncias
Por Guido Bilharinho*
Uma das particularidades mais acentuadas, senão a mais
reiterada de todos os possíveis e variáveis aspectos a serem considerados no
cinema iraniano contemporâneo, é a eleição da temática familiar.
A abordagem das situações e suas circunstâncias concentra-se
geralmente num acontecimento específico, problematizado ficcionalmente. Essa
orientação possibilita extremada contenção fática, redundando em decorrente
economia de meios e modos.
Se a primeira condição permite a viabilização
cinematográfica dados seus baixos custos, a segunda restringe seu alcance
formal e também técnico, embora este, do ponto de vista cultural e artístico,
seja secundário, por instrumental.
Já no que tange à forma, a limitação atinge o cerne do fazer
artístico, daí decorrendo, como vem acontecendo nessa filmografia, com algumas
exceções, a prevalência da estória sobre a elaboração artística, em
descumprimento à sua regra básica, que é sua razão de ser, isto é, a produção
de beleza para atendimento do prazer estético, a mais alta consecução da
inteligência e sensibilidade humanas.
Na ficção, que é o caso, sobreleva ainda seu urdimento,
conteúdo e desdobramento, na apreensão e respeito às verdades da natureza
humana.
Se no primeiro caso, o filme A Maçã (Sib, Irã, 1998), de Samira Makhmalbaf (1980-), deixa de
atender aos requisitos mais imperativos da formalização artística, no segundo
alcança o desiderato a que se propôs de construção e exposição de situação
humana e familiar específica.
Se essa característica impõe-se desde logo e em todo seu
decorrer, não é ela propriamente que deve ser notada e realçada, mas, sim, o
depuramento com que se desenvolve e a espontaneidade e autenticidade
demonstradas, que emocionam e encantam.
O drama familiar focalizado forma cosmologia peculiar, em que
seus elementos constitutivos (casal e duas filhas gêmeas), orbitam em
coordenadas próprias, perfeitamente entrosadas, até que a interferência do
mundo exterior denuncia sua anormalidade.
A partir daí, a ação reparte-se em pelo menos dois níveis
distintos, que se comunicam e se influenciam, determinando alteração no
conspecto sedimentado. O núcleo familiar sofre, pois, acentuada mutação sob a
ação externa, obrigando-o a sair de seu enclausuramento e a contactar e
relacionar-se com o mundo, o outro elemento dessa confluência de situações e
ações.
Além da delicadeza e sutileza com que se processa essa etapa
da ação fílmica, ressalta-se a poetização de atos, gestos e do descarnado décor, em procedimento imagético que os
valoriza para além da vizualização direta e imediata.
À frente da imagem não está somente o olhar mecânico da
câmera, porém, o olhar humano e sensível do artista, atingindo o clímax na cena
final, emblemática, que se descurada da estetização da imagem e da composição
de sua sucessividade, não olvida a elaboração dos conteúdos que viabiliza.
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da
revista internacional de poesia Dimensão
de 1980 a 2000 e autor de livros de
Literatura (poesia, ficção e crítica literária), Cinema (história e crítica),
História (do Brasil e regional).
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