Debate sobre cinema: Obra e produto, por Guido Bilharinho

Os filmes classificam-se em obras e produtos, conforme sua concepção, elaboração e finalidade, em que os dois primeiros elementos subordinam-se ao último.

Se a finalidade é comercial tem-se produto, que se destina apenas a faturar e gerar lucro. Nesse caso, é adredemente planejado para atingir as mais largas camadas do público, pressupondo pesquisa, estudo e conhecimentos mercadológicos, sem os quais o empreendimento sujeita-se ao fracasso.

À semelhança dos demais artefatos desovados pela indústria, os filmes dessa espécie procuram atender necessidade específica. No caso, de diversão, passatempo e particularidades e exigências emocionais e psicológicas.
Em decorrência de sondagem de mercado, a indústria cientificas e das características do público, seus gostos, inclinações, limitações, idiossincrasias e tendências, procurando, com maior ou menor competência, fornecer-lhe o produto desejado.

Para isso, estabelece as médias estatísticas necessárias e o consequente e adequado formulário de ingredientes e insumos, constantemente checado, reciclado e renovado para acompanhar paripassu as alterações de humor e interesses dos espectadores, que, por sua vez, também se deixam influenciar por essa produção, submetendo-se a ela de bom grado, passiva e acarneiradamente.

Assim, pululam, na técnica, os efeitos especiais; na temática, violência, sexo e particularidades ficcionais; na linguagem cinematográfica, o convencionalismo, a linearidade ou superficialidade e toda linhagem de macetes pré-estabelecidos em consonância com as indicações obtidas.

Nessa conjuntura, o diretor e a equipe não ultrapassam o nível técnico-profissional, no qual se dirige filme como se guia veículo ou se pilota avião. Nada, pois, de pessoal, próprio, criativo, apenas restrito ao conhecimento indispensável à utilização e funcionamento da parafernália técnica respectiva.


Quando o propósito é artístico e cultural, ocorre total inversão das e nas disposições e posições acima relacionadas, conquanto também seja imprescindível conhecer e dominar os meios técnicos necessários à filmagem.


O filme, nessa hipótese, perfaz não mero objeto descartável, mas, obra autoral, aliando inventividade ou pelo menos perícia formal e substância temática, que, por força de série de circunstâncias, pode até não configurar arte ou pelo menos não atingir seus maiores patamares, por dependentes de aptidão, talento, esforço, informação e consciência artística, além de persistente e exaustiva elaboração.


Nesse caso, a temática e seu conteúdo não visam agradar ao público, mas, ao contrário, externar estética e criticamente visão pessoal do mundo, pressupondo criatividade e elaboração formal, análise e questionamento dos fundamentos e organização da sociedade e do comportamento coletivo e individual dos seres humanos.


O produto procura manipular o sentimento e a emoção. A obra destina-se à inteligência e à sensibilidade.


(do livro inédito Ficção e Cinema)
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de Literatura (poesia, ficção e crítica literária), Cinema


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