Resenha do livro Gritos na Escuridão, por Adércio Simões Franco
Gritos na Escuridão registra uma simbiose entre realidade e ficção, o que resulta em excelente romance, quer pela abordagem da realidade histórica, quer pela sua elaboração ficcional.
Trata-se, este romance, de um
crime bárbaro, de uma brutalidade chocante, que abalou a sociedade, levando-a
quase, ao linchamento dos criminosos, não fosse o cuidado de os transferir para
a prisão de Uberaba.
A cidade do crime ganhou nome fictício, Volta Grande, bem como, naturalmente, os nomes de seus
personagens.
O autor, Paulo Fernando Silveira, acadêmico da
Academia de Letras do Triângulo Mineiro, de Uberaba, é escritor, advogado,
professor universitário, juiz federal aposentado e vasto curriculum-vitae na
área jurídica no Brasil e no exterior.
Com esta experiência, na
qualidade de escritor, caminhou da realidade à ficção, relatando com
perspicácia, o crime ocorrido.
Esta ficção, nasce de uma
realidade, conforme explica, pelo acesso que teve a jornais da época dos
eventos e que se encontram no Arquivo Público de Uberaba, além de documentos
que lhe foram confiados por seu amigo e colega de faculdade. Contou ainda com testemunhos
de quem participou dos fatos ou deles tiveram conhecimento.
A geografia de Minas, São
Paulo, Goiás, Distrito Federal, está presente em vasto espaço, com registros de
acidentes geográficos, ruas e até bairros de cidades.
Enquanto isto, o autor vai
situando os personagens e sua visão do mundo.
Adroaldo, apelido de Jacu,
era fugitivo de Almenara, vivia em meio promíscuo, onde as brigas irrompiam com bastante constância. Fazia parte do contexto
social. Homem de fato, tinha de beber muito e bater em alguém para mostrar a sua
superior masculinidade. (p.13)
(Frutal)
sofria a influência dos paulistas, tendo como referência a cidade de São José
do Rio Preto. ( p.167)
Nesta outra sequência,
realidade e ação mostram a esperteza do personagem.
Só
para se certificar, Moreno
indagou: - O volks está aqui ou em Volta Grande? Eles já estavam adentrando em
Uberaba.
-Eu
o deixei aqui, na casa de um primo meu. Depois é que peguei o ônibus para Rio
Preto para encontrar com você. (...) Depois que o comparsa partiu, no seu
Opala, ele pegou um taxi e foi em direção ao bairro Santa Maria, não muito
distante dali.
Naquela
mesma noite, ele tomou o ônibus para Belo Horizonte. Chegando lá de manhãzinha,
comprou passagem para Brasília. Para matar o tempo foi a um cinema situado na
Praça Sete. Em Brasília, aproveita para ver a sua beleza
arquitetônica, passeia no shopping. Depois ruma-se para Goiânia. ( p.181)
O tempo literário se expande
numa cristalização cronológica, enquanto vários eventos são repetidos em
flashes.
A fala dos personagens identifica
o estrato social a que pertencem ou a profissão que exercem, e ao se formar o tecido
verbal a realidade se revela com bastante nitidez, fazendo com que a oralidade
se identifique com o que se ouve no dia a dia.
O
que você está matutando? – faz parte do diálogo dos peões enquanto
levavam uma boiada. (p.14)
Os
peões cantaram de galo. Traziam armas na cintura. Depois de uns goles,
começaram a brigar com todo mundo. Diziam que eram machos e não levavam
desaforo para casa. (p.138)
A fala da cafetina retoma,
em flash, o modo de vida dos peões mencionado em capítulo anterior.
Requeiro
que ele seja conduzido preso para a cidade de Uberaba, ficando lá, trancafiado,
à disposição da justiça (p.205). Assim se expressa o
delegado de Volta Grande.
Intime
todos os familiares para depor (p.126) A fala do delegado-chefe
Bonicelli vem quase sempre, acentuada de objetividade.
Já o advogado sempre se
embasa no Código de processo penal, citando-o ipsis litteris, do qual,
Bonicelli sabia de cor. (p. 204)
Carvalhinho, repórter do
jornal O Diário, vê a tragédia como
matéria de primeira!
Acabei
de ser informado pelo inspetor Vivaldo, que, lá (em Volta grande) uma família
inteira foi trucidada,
(...) – É matéria de primeira! E, aqui, na nossa cidade, vou ter exclusividade!
(P.81) Notar o uso da vírgula, interrompendo a fala, carregada do impacto da
novidade.
O mesmo Carvalhinho, com o
desenrolar do tempo, fica indignado com a frieza do facínora, a quem
entrevistou. Bem diferente daquele que vibrou-se por uma notícia de primeira.
Cara
!!!... Carvalhinho vociferou, com enfática veemência, usando ironicamente, o mesmo
vocativo, empregado pelo assassino. E
prosseguiu no mesmo tom áspero: - Vou te dizer com franqueza! Em toda minha vida de repórter policial, nunca vi coisa igual
da espécie! Sua ação, vergonha infame e desumana, não encontra nenhum
precedente pior na história, nem do mesmo
quilate de maldade. (p.256)
Uso pessoal, com valor de
gíria, de palavras como rapaz, cara,
por Balduíno:
Rapaz,
eu não vou te telefonar mais não! Eu faço uma ligação e agora mesmo já tem
polícia aqui no meu pé para me prender! ( p.194)
Cara!
Se eu pudesse rebobinar a fita! (p.252 )
Registre-se ainda o uso de
monólogo interior, quando Balduíno conversa com seu próprio facão: Aguarde aqui, que vou precisar de você mais
tarde. (p. 221)
Visualidade – as manchetes
eram sempre anunciadas em letras garrafais:
MORENO CHEGA PRESO A OBERABA
(p.194)
VOLTA GRANDE ENTERRA OS SEUS
DEZ MORTOS (p.127)
O autor não narra apenas um
crime. Comenta para reflexão de leitor, as falhas do nosso sistema, aspectos
legais muitas vezes frouxos, resultando na infeliz expressão cunhada por D. João
VI - é coisa para inglês ver – no tempo
em que a Inglaterra era senhora do mundo e administrava, inclusive, a política
e as finanças do Brasil.
Um condenado pode ser levado
à prisão com penas que lhe são imputadas por 150, 200 ou mesmo 300 anos...
No
Brasil, o limite máximo da pena de prisão é de 30 anos, nos termos do artigo
75, do Código Penal que reza: o tempo de cumprimento das penas privativas de
liberdade não pode ser
superior a 30 anos (p. 264)
Esta pena vai-se abrandando
com o tempo, considerando-se vários fatores, passando o condenado para regime
semiaberto (em troca de trabalho de qualquer natureza) e deste para regime
aberto (só dormir na prisão), além de outras benesses.
Roberval e Balduíno, como
também Moreno, fugiram da prisão e nunca mais foram capturados, havendo, por
isso, prescrição de pena por seus crimes. Leon cumpriu pena de 16 anos, beneficiado
pelos vários regimes de progressão.
E tudo isso acontece, depois
de competente trabalho de investigação e captura, envolvendo um delegado-chefe,
vindo de Belo horizonte para esta função, e seus colaboradores, recheado de
enganos e de acertos, onde não faltou até o lado cômico, ao se prender um dos
assassinos enquanto tomava banho, hospedado numa pensão, quando se preparava para
nova fuga...
A
memória não é uma ressurreição do passado, ela sempre inova, transfigura o passado.
Berdiaeff, apud Castagnino – Tiempo y Expresión literária.
O
autor expôs fatos e leis. Ao leitor, que não se contentar apenas coma uma
leitura linear, abre-se o leque para a sua reflexão...
Paulo Fernando Silveira. Gritos na escuridão. Curitiba. Juruá,
2013.
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