A capa do Jornal da Manhã da terça-feira, 18/05/82, com as fotos feitas pelo repórter Paulo Nogueira. O jornal não circulava nas segundas-feiras.
Fazia sol e calor naquele domingo, 16 de maio de 1982. No Uirapuru rolava um campeonato de patinação, as primeiras sessões da tarde aconteciam nos cinemas do centro da cidade e uma animada partida de futebol era acompanhada por umas duzentas pessoas no campinho de terra perto da cabeceira da pista do aeroporto, do lado do Parque das Américas – onde hoje há uma praça de esportes.
Foi quando, por volta das 16h00, um jatinho executivo desgovernado vazou a pista, atravessou a cerca de arame farpado e – detido por um providencial barranco no meio do caminho – por pouco não invadiu o campo de futebol onde acontecia a pelada. E qual não foi a surpresa dos uberabenses quando, de dentro do avião acidentado, começou a sair um bando de sujeitos loiros e muito assustados falando uma língua enrolada que ninguém entendia.
A explicação: o jatinho Learjet 25B da TAM-Taxi Aéreo Marília tinha sido fretado pela mineradora CBMM para levar o embaixador soviético no Brasil e sua comitiva até a cidade de Araxá, para visitar a planta de produção de nióbio. Na época, a União Soviética era uma das grandes compradoras do minério. Concluída a visita, o Learjet havia decolado de Araxá e pousava em Uberaba para encher o tanque antes de retornar a Brasília.
Dos dez ocupantes da aeronave, os dois tripulantes e a maioria dos oito passageiros teve apenas ferimentos leves, além do susto. Encaminhados aos hospitais da cidade, foram liberados pouco depois. Permaneceram internados somente a esposa do embaixador e um integrante da comitiva soviética, feridos com maior gravidade – além do então presidente da CBMM, José Alberto Camargo.
Estranhamente, Camargo estava sentado no banco do co-piloto na hora do acidente e, com o pé esquerdo prensado pelas ferragens, ficou três horas preso na cabine de comando do avião até ser resgatado pelos bombeiros – enquanto os pilotos do avião e PMs do 4º BP chamados às pressas tentavam afastar os curiosos e impedir os jornalistas de fotografar o sinistro – chegando até confiscar filmes e câmeras fotográficas. Só temos hoje as imagens porque o repórter Paulo Nogueira, do Jornal da Manhã, enganou os policiais entregando a eles um filme virgem, como se fosse o que já tinha utilizado.
No fim, ninguém morreu ou se feriu seriamente. Mas na onda de boatos que se seguiu, especulou-se que José Camargo (que era piloto brevetado, mas sem certificação para Learjet) estaria no comando do avião durante o desastrado pouso – e não teria conseguido parar o jatinho nos 1750 metros de asfalto da pista. Uma acusação que foi veementemente contestada pelo comandante Roosevelt Canhede e seu co-piloto José Luis Chapale, os responsáveis pela aeronave.
O assunto foi rapidamente abafado na imprensa e as investigações
oficiais determinaram como causa do acidente uma dupla falha nos freios e no
sistema de reverso dos motores do Learjet (essa combinação "TAM" e
"reverso" ainda iria assombrar o país por algumas décadas). Eu nunca
soube se os tripulantes sofreram alguma sanção pela irregularidade. Mas o jato
PT-KZY teve perda total e foi sucateado.
Para coroar a aura de mistério que cerca esse acidente, um fato curioso: em todas as bases de dados nacionais e internacionais em que pesquisei, a data do evento consta como sendo "segunda-feira, 24 de maio de 1982", oito dias depois da data real da ocorrência. Alguém arrisca uma explicação?
Texto: André Borges Lopes
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Comentários
Muito obrigado pelo excelente artigo, faz tempo que vinha procurando informação sobre o acidente e não encontrava nada detalhado. Sou uberabense mas faz 20 anos que não moro na cidade.