Brasil, Argentina e EUA: “Problema imigratório” e a questão das raças e etnias nos discursos do deputado Fidélis Reis
* Artigo originalmente publicado no Seminário América Latina: Cultura, História e Política
As discussões sobre etnias e nacionalidade colocavam à prova disputas de projetos políticos. A Lei dos Indesejáveis, que tinha como um de seus focos os europeus, especialmente os italianos, pintados como desordeiros e grevistas, era um fator a mais que cooperava com a entrada de nipônicos no Brasil, ainda mais porque os EUA vinham desde 1907 fechando suas portas aos amarelos. Desse modo, as greves ocorridas na década anterior, motivaram a aprovação da Lei “aplaudida por jornalistas, que parabenizavam o governo por fazer o possível para impedir a entrada de europeus parasitários, que aqui desejam viver sem trabalhar”, bem como dos “profissionais da desordem política” (GOMES, 2003, p. 323).
Thiago
RICCIOPPO[1]
RESUMO
Este artigo tem como propósito traçar problemáticas
pautadas em torno da trajetória política e intelectual de Fidélis Reis,
principalmente durante seus mandatos como deputado federal por Minas Gerais
entre os anos de 1921 a 1930. Nesse período, Reis enfrentou embates polêmicos,
tanto na Câmara Federal e outros espaços, quanto em seus artigos na imprensa e
livros. Tais questões encaminharam-se em torno defesa de projetos contrários à
imigração de japoneses para o Brasil e de negros afro-americanos vindos dos
Estados Unidos, bem como em projetos voltados para a educação profissional e
para a mão de obra. Em vista dessas circunstâncias, o deputado Fidélis Reis
estava convencido em dar preferência à imigração europeia, tendo como
referência o modelo levado a cabo na Argentina e nos Estados Unidos. O
imigrante a ser admitido não poderia ameaçar o projeto político de caldeamento
para a população, vincado por imagens que atribuíam aos europeus a capacidade
para o desenvolvimento do brasileiro ideal
no futuro.
PALAVRAS-CHAVE: Raça; Etnia; Imigração;
Trabalho; Nação brasileira.
Este trabalho busca refletir
sobre algumas das ações e projetos defendidos por Fidélis Gonçalves dos Reis, político
e intelectual de Uberaba/MG, particularmente no período em o mesmo foi deputado
federal, nos anos de 1920 pelo Partido Republicano Mineiro (PRM)[2].
Nosso enfoque está
centrado em discursos de Reis que procuraram desenhar um projeto para o País, pensando
particularmente em fomentar políticas para o aprimoramento da mão de obra
agrária, para o desenvolvimento da economia e do trabalho no meio rural, em
suma, para o aperfeiçoamento da população e da raça.
Constatamos que Fidélis Reis esteve dedicado a essas problemáticas, temas que foram relevantes nesta
conjuntura temporal. Tais questões são significativas, não
exclusivamente de suas preocupações individuais, sociais ou políticas, mas anunciam
questões que revelam controvérsias do debate nacional acerca dos destinos do País.
Em seus textos, destacavam-se imagens sobre a população brasileira e os modelos
de imigração, desejáveis e indesejáveis,
numa interlocução entre as perspectivas do passado a ser superado e as do
futuro a ser atingido, evidenciando um repertório de tensões apreendidas em ideias-imagens que se constroem e
distribuem no imaginário social do
período, como propõe Backzo. (BACZKO, 1985, p. 298).
Este estudioso ensina que
o imaginário social se integra a
complexos sistemas simbólicos carregados de representações nas práticas
coletivas, e assim nos instiga a refletir que a “função do símbolo não é apenas
instituir uma classificação, mas também introduzir valores, modelando comportamentos
individuais e coletivos e indicando as possibilidades de êxito” (BACZKO, 1985,
p. 311), que por si estão conjugados a relações de poder. Pesavento utiliza-se
desse entendimento sobre as ideias-imagens
e acrescenta:
Refere Baczko que a
interrogação atual das ciências humanas deriva da perda da certeza das normas
fundamentadoras de um discurso científico unitário sobre o homem e a sociedade.
Na medida em que deixa de ter sentido uma teoria geral de interpretação dos
fenômenos sociais, apoiada em ideias-imagens legitimadoras do presente e
antecipadoras do futuro (o progresso, o homem, a civilização), ocorre uma
segmentação das ciências humanas e um movimento paralelo de associação
multidisciplinar em busca de saídas. (PESAVENTO, 1995, p.9).
No início da década de 1920, a questão racial ganhou destaque quando se
evidenciavam ações contrárias à entrada de imigrantes entendidos como grupos de
“indesejáveis”. Assuntos esses, trabalhados em estudos como de (LESSER 2001,
2003; SKIDMORE, 1976; RAMOS, 1994, 1996; GERALDO, 2007; TAKEUCHI, 2008; GOMES,
2003), demonstram análises que a
possibilidade da entrada de negros em terras brasileiras movimentou redes
contrárias de interesses, em diversas esferas da política e da imprensa
nacional. No Brasil, foi proibida a entrada de
imigrantes nativos da África e da Ásia pelo governo através do Decreto n º 528,
de 08 de junho de 1890 que previa no Art. 1º:
É
inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos indivíduos válidos e
aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos à ação criminal do seu país,
excetuando os indígenas da Ásia, ou da África que somente mediante
autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos de acordo com as
condições que forem então estipuladas. (BRASIL,
1889). Grifo nosso.
No Decreto n.º 6.455, de 19 de
março de 1907, que criou a Diretoria Geral de Povoamento (BRASIL, 1907), esse
dispositivo racista da legislação de 1890 que proibia a entrada de asiáticos e
africanos iria desaparecer, pouco antes que se iniciasse a forte entrada de
japoneses em solos brasileiros. (SEYFERTH, 2002, p. 117-149).
Em torno dessa problemática, observa-se no período um expressivo
incentivo imigratório difundido na imprensa dos EUA, por meio de propagandas
financiadas pelo governo brasileiro, em que se ofereciam diversas vantagens aos
imigrantes, como, por exemplo, a de receberem um tratamento igualitário, com
maiores chances de se fixarem e desenvolverem no País. Prometiam-se, a quem
viesse a trabalho, benesses como créditos de longo prazo, passagens e
concessões de terras no Mato Grosso.
As imagens dessas propagandas acabaram sendo também encampadas e
amplificadas por jornais dirigidos ao público negro norte-americano, (RAMOS,
1996, p. 59-82) e contribuíam para forjar no
imaginário, o mito de que o Brasil era uma democracia entre as raças. Segundo
Lesser, alguns negros dos EUA até chegaram a visitar o País naquele período e,
graças ao status social que esses
negros gozavam, não experimentaram os efeitos da segregação social, que recebiam
em seu país de origem. Assim, as informações transmitidas aos leitores desses
jornais apresentavam imagens de um Brasil como referência de “paraíso racial”
(LESSER, 2013, p. 141), livre de preconceitos, que oferecia ilimitadas
possibilidades aos imigrantes. Segundo Lesser,
Talvez o mais famoso
afro-americano a ter a impressão equivocada de que o Brasil era um paraíso
racial foi o ativista de direitos intelectuais e civis W.E.B. Du Bois. Ele usou
o jornal “The Crisis” para promover a emigração para os negros depois que o
“Brazilian American Colonization Syndicate – BACS”, uma empresa de
desenvolvimento de terras pertencentes a um grupo de afro-americanos de
Chicago, se propôs a comprar terras e estabelecer uma colônia em 1920, no Mato
Grosso, época
sobre a chegada de agricultores norte-americanos no Brasil. [...] O BACS erroneamente acreditava que a promoção ativa da imigração por
parte dos brasileiros não tinha conotação racial. Seus diretores não estavam
cientes de que a legislação de imigração do Brasil fora feita para excluir
todos os negros, africanos e não-africanos. (LESSER,
2013, p. 141) Tradução nossa.
Essas perspectivas recaíram também como alternativa para parte dos
movimentos negros que, desde o século XIX, passaram a se sustentar em projetos
nacionalistas, cuja solução possível se pautava na emigração dos EUA, em
resposta à violência racial institucionalizada pelas Leis Jim Crow que funcionaram entre 1877 a 1965 e atingiam os
direitos civis e políticos da população afro-americana.[3]
Nesse sentido, surgiram alguns projetos em relação ao retorno daqueles
segmentos para África, projetos que no geral fracassaram, como no caso da
Libéria. Dessa forma, alguns líderes negros, como Cyril Brigs, apoiavam-se na
ideia de que
a
América Latina, em especial o Brasil, eram lugares em que o predomínio das
“raças de cor” poderia servir de base à fundação de uma república negra, a qual
deveria servir de inspiração à luta anticolonial das massas africanas. (MEADE; PÍRIO 1988 apud RAMOS, p. 63).
As primeiras informações que
chegaram em 1921, soaram como furor positivo na imprensa brasileira sobre a
possibilidade de instalação de colônias no Mato Grosso através do BACS, uma
companhia privada de colonização de afro-americanos fundada em Chicago nos
Estados Unidos com objetivo de adquirir terras no Brasil (RAMOS, 1996, p. 65).
Naquela ocasião as tratativas caminhavam a passos largos com ofertas de
concessões do governo do Mato Grosso a esse
órgão. Contudo, após pouco tempo, descobriram-se que os esperados imigrantes dos Estados Unidos, na verdade, eram negros
norte-americanos, ou seja, sujeitos considerados indesejados por muitos na
América do Norte, e que no Brasil, de acordo com as políticas imigrantistas,
também não seriam bem desejados. Esse episódio gerou um relativo mal estar nas relações
diplomáticas dos dois países. Contra a finalidade da empresa norte-americana, o
presidente do estado do Mato Grosso, Francisco
de Aquino Correia, um bispo católico, cancelou as concessões e deu ciência do
fato ao ministro das Relações Exteriores.
Figura 4 - Anúncio do BACS[4]
Este anúncio do BACS foi lançado em março de 1921 e circulou em Chicago nos Estados Unidos, estimulando norte-americanos a emigrarem para o Brasil. O texto tem os dizeres: “Brasil: Você quer liberdade e riqueza em uma terra de fartura? Oportunidade e igualdade ilimitada? Então, compre terras no Brasil na América do Sul” (Tradução nossa).
A partir de então, segundo Lesser, o Itamaraty negou vistos a todos os
membros da Companhia, sem dar-lhes quaisquer justificativas e enviou instruções
confidenciais para funcionários da embaixada em Washington e aos consulados dos
Estados Unidos no Brasil, explicando qual era o tipo de imigrante que se
pretendia introduzir no País. Tais informações vazaram por meio dos
funcionários de agências telegráficas e acabaram tomando conta do noticiário do
Brasil e dos EUA, o que teria levado
o “Brazilian American
Colonization Syndicate” a enviar advogados para a
embaixada com o tratado Brasil-Estados Unidos em mãos, que parecia sugerir que
todos os cidadãos dos EUA têm o direito de emigrar. Agora o Itamaraty tinha um
problema jurídico complicado e embaraçoso (LESSER, 2013, p. 143).
Tradução nossa.
É necessário situar que, naquela época, havia um tratado de imigração
entre os dois países que foi questionado pelo governo norte-americano e pelo
BACS,[1]
haja vista que o tratado dava ao povo estadunidense o direito de se estabelecer
livremente no Brasil, independente de raça, etnia ou religião.
Mesmo indagado sobre tal procedimento, em face desse tratado, o Itamaraty
justificou por memorando que o Brasil tinha o direito de tomar
decisões internas sem intervenção estrangeira, na compreensão de que o BACS havia sido “politicamente radical” em querer enviar “esse tipo de
imigrante” negro ao país, pois eles trariam “ideias subversivas”
dos Estados Unidos, que favoreceriam
a disseminação da “militância negra
no Brasil”. (LESSER, 2013, p. 141). Justificavam
que a possibilidade de uma
insurreição, seria por hora uma aceitável
explicação para a recusa dos vistos, dados estes que podem ser percebidos, em
alguns fragmentos de trechos do documento, selecionados por Lesser:
“não
é a condição de ser negro” que determinou a recusa do ministério para conceder
vistos uma vez que “felizmente não temos nenhum preconceito racial em nosso
país”. Pelo contrário, o Brasil tinha o direito legal e a responsabilidade
social para "travar nossas portas a todos os estrangeiros - brancos,
negros ou amarelos, que vêm para causar problemas sociais. (LESSER, 2013, p.
141). Tradução nossa.
Contudo, os advogados e diplomatas
do Itamaraty estavam errados em acreditar que as tentativas de afro-americanos
de se instalarem no Brasil se encerrariam neste episódio. No início de abril de
1922, o cônsul-geral do Brasil em Nova York, Hélio Lobo, teve que recusar o visto de Clara L.
Beasley, uma vez que a pretendente não soube justificar o motivo de querer
visitar o Brasil. No dia seguinte ela se encaminhou novamente ao consulado com
um “homem branco americano” (LESSER, 2013, p. 141), alegando ser sua noiva.
Mesmo com a candidatura conjunta de seu acompanhante, seu visto de entrada foi
novamente negado, quando identificada como uma “mulher de cor negra” (LESSER,
2013, p. 141). Após o fato, Beasley contatou a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP)
que também não conseguiu resolver a questão.
A visão do Itamaraty deixa transparecer o dilema
de manter uma suposta ideia do Brasil como “território livre de
preconceitos” (GOMES, 2003, p. 310) no aspecto que a imigração afro-americana
se dava numa arena transnacional e envolvia as boas relações diplomáticas com o
mundo[2].
O que sobressalta como relevante em analisar essas ações que tinham como
objetivo frear a entrada de afro-americanos para o Brasil são os conflitos
intrínsecos a elas. Isso porque se buscava demonstrar uma necessidade de
negociar imagens forjadas de um pretenso paraíso racial, livre de preconceitos,
justificadas através da ideia de um lugar onde estava se realizando plenamente
a integração dos povos. De toda forma, esta perspectiva se despontava bastante
contraditória uma vez que insurgiam discursos que se pronunciavam no sentido de
barrar a entrada de potenciais “perigos” vindos dos EUA, por meio de
justificativas pouco convincentes baseadas nos conflitos entre negros e
brancos.
Nesse sentido, emergiam de tais discursos duas
faces dessa mesma moeda. Num lado, evidenciava-se o desejo de colocar o Brasil
no “concerto das nações”[3]
através de pressupostos raciais calcados em estereótipos de imigrantes, ideais
em congruência com o desenvolvimento das nações europeias. Do outro, o de
propor práticas políticas de acordo com um
conceito que estava em pleno processo de construção a partir do qual buscavam
afirmar o Brasil como um país que estava pleno processo de superação das
mazelas de seu passado escravista, liberto de conflitos raciais.
Aproveitando-se do debate em torno do assunto, apressados, dois deputados
federais, Andrade Bezerra (Pernambuco) e Cincinato Braga (São Paulo), ambos
alinhados ao discurso discriminatório, apresentaram o projeto de Lei n.º 209,
na sessão de 28 de julho do mesmo ano de 1921. Seus artigos diziam, claramente:
Art. 1º - Fica proibida no Brasil a imigração de
indivíduos humanos de cor preta.
Parágrafo 1º - Será permitida a entrada desses
indivíduos, contanto que, perante as autoridades policiais do litoral ou das
fronteiras terrestres assinarem termos a que se obriguem a não permanecer no
País mais de seis meses e mostrem trazer pelo menos a importância
correspondente a 5:000$000 em moeda corrente brasileira, para suas despesas de
estadia e regresso.
Parágrafo 2º - Os que transgredirem essa lei serão
expulsos do território nacional.
Art. 2º -
Revogadas as disposições em contrário. (BRASIL, 1921 apud REIS; FARIA, 1924, p. 8).
É importante notar que o projeto foi para discussão
e venceu por uma maioria esmagadora na Câmara dos Deputados (94 votos contra
19) e logo foi encaminhado à comissão
especializada. Coube ao deputado federal Fidélis Reis ser o relator do projeto
209 de Cincinato Braga e Andrade Bezerra nesta comissão.
Como relator do projeto dos dois parlamentares, o deputado Fidélis Reis
resolveu ir além ao apresentar o projeto 291, em 1923. Norteado pela Lei de
imigração de 1907, que presumia a expansão do serviço de colonização, o
deputado propunha que o estímulo à imigração que se realizasse no Brasil,
deveria enfrentar com rigor a limitação da entrada de asiáticos no País,
impondo um limite de percentuais anuais para os mesmos, além da proibição total
da imigração de negros em solos nacionais. O deputado paulista João de Faria,
que foi relator do projeto de Fidélis Reis na Comissão de Agricultura da
Câmara, comentava em seu parecer:
Coube
ao nosso ilustre colega Fidélis Reis a tarefa de relatar o projeto dos
deputados Cincinato Braga e Andrade Bezerra, proibindo a imigração de pretos
americanos, parecendo que o móvel dessa iniciativa foi a notícia propalada de
que um sindicato americano do norte pretendia comprar uma vasta porção de
terras no Estado de Mato Grosso, para a fundação de uma colônia de
trabalhadores daquela espécie e origem. Em vez de relatar o citado projeto,
entendeu o nosso colega que melhor seria apresentar um outro que estendesse
aquela proibição aos colonos de raça amarela e providenciasse sobre outros
aspectos do problema imigratório no Brasil. Este projeto tomou o número 291 e
do plenário veio a esta Comissão, afim de ser devidamente estudado. (REIS;
FARIA, 1924, p. 31-32).
Apesar de na citação acima o deputado João de Faria, dizer que o projeto
apresentado por Fidélis Reis pretendia proibir a imigração japonesa, na
verdade, como se observará, o projeto de Reis pretendia impor um limite anual
de 3% sobre o número de imigrantes nipônicos que entrassem no Brasil. O próprio
João de Faria, como relator, propôs um aumento deste limite para 5%.
Ressalta-se que a temática da imigração foi discutida no Brasil na década de 1920 de maneira vigorosa
através de um intenso debate público veiculado na imprensa[4] e
na Câmara Federal sobre a entrada de afro-americanos e também de asiáticos.
Nota-se também que, tal questão revelou um novo viés de defesa aos que ainda
que se mantivessem favoráveis ao projeto de imigração calcado em europeus, a
exemplo dos deputados Cincinato Braga, Andrade Bezerra e logo a seguir Fidélis
Reis e João de Faria. Para isso, seria necessário enfrentar uma opinião que
tomava forma no País quanto à questão do europeu, uma vez que os imigrantes
dessa região do mundo, “alvos de grandes esperanças da elite nacional em fins
do século XIX, progressivamente perderiam sua aura de portadores de progresso e
civilização”. (GOMES,
2003, p. 311).
Nesse sentido, a insistência na imigração negra era, para o deputado
Fidélis Reis, um verdadeiro perigo, pois ameaçava tal perspectiva dado o grau
exagerado de sangue negro que tanto havia se degenerado nos mestiços. (GOMES,
2003). Além desse aspecto, a introdução de negros norte-americanos, traria
consigo um problema a mais, que eram os elementos do ódio e de ressentimentos
alimentados entre brancos e negros a partir dos conflitos étnicos
experimentados nos Estados Unidos. Reis sublinhava a distinção entre negros
brasileiros e negros norte-americanos e afirmava:
Quando
então pensamos na possibilidade próxima ou remota da imigração do preto
americano para o Brasil é que chegamos a admitir a eventualidade da perturbação
da paz no continente. [...] O nosso preto africano, para aqui veio em condições
muito diferentes, conosco pelejou os combates mais ásperos da formação da
nacionalidade, trabalhou, sofreu e com sua dedicação ajudou-nos a criar o
Brasil [...] O caso agora é iminentemente outro. E deve constituir para nós
motivo de sérias apreensões, como um perigo iminente a pesar sobre nossos
destinos. (REIS; FARIA, 1924, p.
25).
Antes mesmo do debate em torno da questão da imigração dos
afro-americanos para o Brasil, havia sido aprovada, anteriormente, o Decreto n.º 4.247 de 1921 que ficou conhecido como
a Lei dos Indesejáveis (BRASIL,
1921), que negava a entrada de imigrantes vistos como elementos
perniciosos, como “prostitutas
deficientes físicos e mentais, idosos” (BRASIL, 1921 n/p). A Lei também
determinava àqueles que se integrassem ao “ativismo político, a possibilidade
de expulsão do país” (GOMES, 2003, p.311). Em seu artigo 1º tal Lei dizia que
seria impedida a entrada em território nacional de:
Art.
1º, de todo estrangeiro nas condições do Art. 2º desta lei; 2º, de todo
estrangeiro mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo, portador de moléstia
incurável ou de moléstia contagiosa grave; 3º, de toda estrangeira, que procure
o país para entregar-se á prostituição; 4º, de todo estrangeiro de mais de 60
anos Art. 2º Poderá ser expulso do território nacional, dentro de cinco
anos, a contar de sua entrada no país, o estrangeiro a respeito de quem se
provar: 1º, que foi expulso de outro país; 2º, que a polícia de outro país o
tem como elemento pernicioso à ordem publica; 3º, que, dentro do prazo acima
referido, provocou atos de violência para, por meio de fatos criminosos, impor
qualquer seita religiosa ou política; 4º, que, pela sua conduta, se considera
nocivo à ordem pública ou à segurança nacional. (BRASIL, 1921 n/p).
As discussões sobre etnias e nacionalidade colocavam à prova disputas de projetos políticos. A Lei dos Indesejáveis, que tinha como um de seus focos os europeus, especialmente os italianos, pintados como desordeiros e grevistas, era um fator a mais que cooperava com a entrada de nipônicos no Brasil, ainda mais porque os EUA vinham desde 1907 fechando suas portas aos amarelos. Desse modo, as greves ocorridas na década anterior, motivaram a aprovação da Lei “aplaudida por jornalistas, que parabenizavam o governo por fazer o possível para impedir a entrada de europeus parasitários, que aqui desejam viver sem trabalhar”, bem como dos “profissionais da desordem política” (GOMES, 2003, p. 323).
Christina Lopreato relata
que, durante a greve de 1917, entre os dias 9 e 16 de julho, cerca de 100 mil
trabalhadores em São Paulo pararam suas atividades. Essa ação havia sido a
greve geral mais significativa do movimento anarquista no Brasil e do jovem
movimento operário. Apesar de disseminada entre diversos grupos de
trabalhadores, a ideia que os italianos e seus descendentes haviam insuflado a
propagação do anarquismo e do movimento grevista pareceria determinante para
parte da elite brasileira, especialmente, quando se observa a ocorrência de
processos na justiça para deportação de muitos estrangeiros vistos como líderes
do movimento de 1917 (LOPREATO, 2000).
Como dito, com o aumento brusco da imigração japonesa na década de 1920,
passaram a ganhar notoriedade as críticas de muitos intelectuais, já que o
nipônico “ameaçava o projeto étnico de um futuro Brasil europeu/branco” (TAKEUCHI,
2008, p. 56). É justamente sobre o “perigo japonês” a busca de defender a
imigração europeia, principalmente a italiana, que o deputado Fidélis Reis
apresentaria um dos argumentos centrais de seu projeto político sobre
imigração: a necessidade de impor limites percentuais para entrada de nipônicos
em terras brasileiras.
Contraditoriamente a política imigratória de cotas nos EUA, que acabaria
por estimular a entrada no Brasil de japoneses, foi tomada como referência, na
intenção de condicionar a atenção a este perigo.
Por outro lado, a Lei dos Indesejáveis
era mais um revés sentido por muitos intelectuais que se atemorizavam contra os
japoneses, pois se apresentava como uma derrota em relação às expectativas da
integração nacional calcada na imigração europeia e em modelos
cientificistas.
Na base de todas as questões
históricas e sociais, se encontra sempre o inevitável problema das raças, que
domina todos os outros. (LE BON, s/d apud REIS; FARIA, 1924) Contracapa.
Não por acaso, a citação acima, do pensador francês Gustave Le Bon, foi
utilizada na contracapa como epígrafe do livro O problema imigratório e seus aspectos étnicos: na Câmara e fora da
Câmara, de Fidélis Reis e João de Faria. (REIS; FARIA, 1924). Fica claro o
fundo-comum ao qual esta ideia se reportava, cuja necessidade deveria se
assentar na valorização dos elementos da mais alta escala evolutiva para a
formação da nacionalidade brasileira. Dessa forma, o deputado pretendia
estruturar seu pensamento para justificar dois pontos fundamentais: a proibição
e a limitação de imigrantes vistos como elementos etnicamente inferiores no caso dos negros e
amarelos, respectivamente. De outro modo, o governo deveria alçar de todos os
artifícios que estivessem em mãos para estimular a imigração europeia. No
contexto deste debate dentro da Câmara Federal, o deputado Fidélis Reis
encarava a questão das raças e da identidade nacional como a problemática
fundamental de todos os outros atrasos do País. Sendo assim, somente
suplantando a emergência dessa problemática que o povo brasileiro estaria apto
para alcançar o desenvolvimento de outras áreas como a saúde, a cultura e a
educação.
Doravante, foi proposta a remissão à matéria iniciada em 1921 na Câmara
dos Deputados pelos parlamentares Cicinato Braga e Andrade Bezerra em torno da
questão imigratória, dando novos realces ao incluir limites para a imigração
amarela. Assim, o mote da obra proposta deveria ser, em suas palavras, “encarado,
agora, principalmente, sob o ponto de vista étnico, de maior relevância
na formação da nacionalidade”. (REIS; FARIA, 1924, p.10).
No que diz respeito ao livro O
problema imigratório e seus aspectos étnicos: na Câmara e fora da Câmara, o
momento foi oportuno para enfeixar numa publicação a discussão que envolvia o
projeto da lei proposto por Fidélis Reis que pouco antes havia sido apresentado
na Câmara dos Deputados, em 1923. À
vista disso, para o autor deste projeto caberia ao Governo se posicionar frente
ao modelo de imigração proposto como política de Estado, pois o destino da
nação estava condicionado à medida jurídica que o governo deveria tomar para
absorver os elementos étnicos tidos como corretos
para o seu desenvolvimento e a formação da nacionalidade.
Para tanto, a fim de que o leitor
e o eleitor tivessem acesso às intenções deste projeto político discutido, as
proposições e os embates realizados no parlamento foram registrados e organizados por Fidélis Reis e João de Faria nesta
publicação, onde foram veiculados os
documentos necessários à exposição e defesa
dessas ideias. Os propósitos trabalhados
pelos deputados naquilo que Fidélis Reis comumente costumava chamar de ações fora da Câmara, foram compilados em:
projetos de Lei entrevistas a jornais do Rio de Janeiro, pareceres de pessoas
de destaque e entidades favoráveis e contrárias as suas teses, missivas e
discursos diversos.
Como
elemento de informação ao Congresso, quando houver novamente de estudar a matéria
e para os que dela em qualquer tempo, queiram se ocupar – entendemos de
utilidade enfeixar numa publicação o que a respeito expedimos e nos foi
comunicado, além de vários documentos, que obtivemos, de real interesse à
ventilação do importante problema. É o mérito único deste opúsculo. (REIS;
FARIA, 1924, p. 10).
Durante a apresentação de seu projeto, numa ensaiada coreografia, o
deputado mineiro lançou mão de elementos retóricos que tinham por finalidade
arrebatar e arregimentar os parlamentares e a opinião pública em torno da
proposta, que era entendida pelo autor como de urgência nacional.
No conteúdo da obra O problemas imigratório e seus aspectos
étnicos na Câmara e fora da Câmara, (REIS; FARIA, 1924) de maneira geral,
observa-se os debates travados por Fidélis Reis na tribuna e outros documentos
de seu próprio punho. O também deputado paulista João da Faria aparece como
coautor do livro ao ajudar na sua organização, uma vez que o mesmo foi o
relator do projeto de autoria de Fidélis Reis, quando submetido a comissão de
Agricultura e Indústria, no momento da apresentação de um “Parecer e
substitutivo do projeto 291”. (REIS; FARIA, 1924, p. 33). Como o projeto foi
aprovado pela comissão, os deputados se uniram para publicar esta obra,
selecionando documentos que haviam norteado a questão até aquele momento, com
intenção de buscar subsídios para enfrentar a próxima instância, a Comissão de
Finanças.
Em suma, a primeira fala de Fidélis Reis na tribuna foi justamente
apresentar o projeto de Lei. Para informar bem sobre os seus propósitos, segue
abaixo o seu conteúdo na íntegra:
Sr. Presidente, a meia dúzia de artigos se resume o
projeto que vamos ter a honra de submeter à apreciação de V. Ex. e da Câmara.
Não obstante, envolve assunto do maior interesse nacional, como de seu
enunciado facilmente se verificará.
Está assim redigido:
Art. 1º Fica o Governo autorizado a promover e
auxiliar a introdução de famílias de agricultores europeus, que
desejarem transferir-se para o Brasil, como colonos.
Parágrafo único. Poderá para esse fim celebrar
tratados de trabalho e comércio, oferecendo vantagens aduaneiras aos
países que permitirem e facilitarem a saída de emigrantes, subvencionados ou
não pela união e pelos Estados.
Art. 2º O Governo entrará em acordo com os Estados no
sentido de contribuírem os mesmos para despesas com a intensificação do serviço
de imigração, na proporção relativa ao número de colonos para eles encaminhados
e em suas terras localizadas.
Art. 3º Reorganizará a Diretoria Geral de Povoamento,
para maior eficiência dos serviços a seu cargo e na amplitude com que deverão
ser realizados.
Art. 4º O Governo exercerá rigoroso controle sobre a
imigração destinada ao Brasil, seja qual for sua procedência, com o fim de impedir
a entrada de todo e qualquer elemento julgado nocivo à formação étnica, moral e
física da nacionalidade.
Art. 5º É proibida a entrada de colonos da raça
preta no Brasil e, quanto a amarelo, será ela permitida, anualmente,
em número correspondente a 3% dos indivíduos dessa origem no país.
Art. 6º Fica o Governo autorizado a abrir os créditos
necessários à execução desta lei.
Art. 7º
Revogam-se as disposições em contrário. (REIS; FARIA, 1924, p.9-10). Grifo
nosso.
Em seu discurso de apresentação deste projeto à Câmara dos Deputados, Fidélis
Reis apela para a necessidade de “dirigir e orientar os destinos de uma
civilização”. (REIS;
FARIA, 1924, p. 11). O momento era visto como oportuno, pois se fazia
necessário considerar as condições de formação e desenvolvimento do País, já
que em seu bojo encerravam problemas que afetariam
os
destinos e o futuro da própria nacionalidade. Fator de economia política de
suma relevância na vida nacional dos povos, superior às conquistas guerreiras
e, ainda, aos próprios inventos, a colonização [...] tem destruído,
transformado e criado povos, civilizações e culturas (REIS; FARIA, 1924, p.
11).
O regime de imposição de percentuais para os amarelos, a proibição da entrada de “colonos de raça preta” (REIS;
FARIA, 1924, p. 11), para Fidélis Reis, e a
preferência à imigração europeia eram justificadas por questões como, “razões
diversas de ordem econômica e, sobretudo moral”, (REIS; FARIA, 1924, p. 11),
pois os europeus, por sofrerem graves problemáticas com a Guerra mundial,
deveriam ser atendidos por essa medida de emergência, devido a princípios de
solidariedade e dever pelos quais era necessário chamar a atenção aos governos
dos estados brasileiros.
Observa-se nessa conjuntura que o aspecto econômico para o deputado estava relacionado à sua firme crença naquilo que ele explanaria ao
longo de seus discursos, sobre as vantagens
da imigração europeia para a formação nacional. Os EUA em certa medida eram a
referência que, a seu ver, desconsiderando-se a “raça preta” (REIS; FARIA, 1924, p. 11), demonstrava
que os europeus e seus descendentes levaram consigo a semente do
desenvolvimento deste país. Por outro lado, seus discursos sinalizavam para a
necessidade de se estabelecer o caldeamento
racial ao longo do tempo. Sobre a questão moral, Reis tentava sensibilizar
o Congresso para a questão da solidariedade em relação ao povo europeu, quanto
para a importância de reconstruir a Europa.
Em relação ao projeto apresentado em 1923, o deputado Fidélis Reis
recorria em seu discurso ao plenário, à lembrança de sua trajetória política e
intelectual, expondo uma espécie de conhecimento de causa para justificar as
teses que estava apresentando aos parlamentares. Afirmava que a experiência profissional,
adquirida durante a seus itinerários, dava-lhe condições efetivas para analisar
com profundidade um assunto que envolvia a formação da nacionalidade
brasileira.
Ainda
bem que tivéssemos podido estudar em condições propícias as conclusões a que
havíamos de chegar, baseada na nossa própria experiência e de outros povos e na
observação dos fatos. Assim é que, além das observações que nos proporcionou
direção de importante serviço, como delegado federal de colonização em dois
Estados, por cerca de dois anos – sumamente instrutiva foi à lição que colhemos
de nossa a Argentina e, posteriormente, a alguns países europeus, no estudo do
importante problema (REIS; FARIA, 1924, p. 11).
Desse modo, Reis expunha traços de sua
biografia, ao lembrar que, quando prestou serviços à Diretoria-Geral de
Povoamento em 1907, teve a incumbência de investigar secretamente para o
governo brasileiro o serviço de imigração argentino durante seis meses. Nas
palavras do deputado: “Afora a missão que no Rio da Prata nos confiou o
ministro Calmon, do presidente de então, o saudoso Penna, tivemos em caráter
reservado, a incumbência, de que lhe déramos conta, de verificar ali as condições
da colonização israelita” (REIS, 1907. n/p.). Em tais condições, seu objetivo era
verificar a maneira como foram instaladas colônias de judeus na Argentina, pois o governo brasileiro queria assumir uma orientação segura para um possível apoio
à Jewish Colonization Association,[5] que pretendia adquirir
terras no Rio Grande do Sul para fundação de núcleos de colonização. Sobre
essa investigação, Fidélis Reis relata detalhes das moradias e da região ocupada,
sem fazer juízo de valor se era favorável ou não a introdução de núcleos
imigrantes judeus no Brasil.
O que transparece no relatório é
uma boa impressão do sistema de imigração e colonização na Argentina, pois a
preocupação com a política imigratória a ser investigada era prioritária. Para
ele era necessário evitar o que considerava:
como elemento mau, o desordeiro, tal deve ser o
objetivo constante de nossa preocupação, pois, que, ao invés de vir cooperar
conosco na tarefa de nosso engrandecimento, ele não passará de um obstáculo ao
nosso evoluir pacífico na jornada do trabalho que estamos todos empenhados (REIS,
1907. n/p.).
Especialmente, ao se tratar de italianos, o engenheiro não economizava
elogios: “Como entre nós, em São Paulo, a colônia italiana na Argentina, em
número, destaca-se notavelmente entre todas as outras; mas, não só
numericamente, como em valor de trabalho, nenhuma outra se lhe avantaja” (REIS,
1907. n/p.).
É possível
estabelecer um nexo entre a articulação e o comportamento do deputado em
relação aos espaços, ideias e sujeitos de seu tempo. Assim como é possível
pensar, como Berstein, que a força da cultura política é determinante do
comportamento do indivíduo. Ela é resultado da “lentidão e a complexidade de sua
elaboração” (BERSTEIN,
1998, p. 36), pois é adquirida no percurso de sua formação intelectual,
beneficiária do caráter de suas primeiras aprendizagens. Tais aprendizagens são
confrontadas por outras adquiridas pelo indivíduo ao longo de sua trajetória de
vida que, dessa maneira, continuam a aumentar em potência, sua convicção e
papel de interpretação do real. Torna-se, por conseguinte, “um fenômeno
profundamente interiorizado e que, como tal, é impermeável à crítica racional,
porque esta faria supor que uma parte dos postulados que constituem a
identidade do homem fosse posta em causa” (BERSTEIN, 1998, p. 36).
Nesse
sentido, os itinerários percorridos por Fidélis Reis tiveram relevância nas
bandeiras políticas defendidas, como deputado estadual, entre 1919 a 1921, e
como deputado federal de 1921 a 1930. Quando prestou serviços para o governo
brasileiro, em 1907, pela Diretoria Geral de Povoamento, e esteve no exterior
para estudar planos de imigração, sentia-se embalado pelas missões que teria que realizar para a Nação, pois deve-se
considerar que neste mesmo ano foi promulgado Decreto n.º 6455, de 19 de abril,
que regulamentava o serviço de povoamento promovido entre acordos da União com
os governos estaduais e particulares (BRASIL, 1907, n./p). Esse decreto regulamentava também a
preferência da entrada de imigrantes espontâneos, ou seja, àqueles que viessem
de portos estrangeiros com passagens de segunda e primeira classe e por conta
própria. (BRASIL, 1907, n./p).
Em seguida, em 16 de maio daquele ano, foi criada a Diretoria Geral de
Povoamento, diretoria essa que Fidélis Reis assumiu como delegado Federal pelo
Estado do Espírito Santo e, posteriormente, Diretor-geral por Minas Gerais. A
diretoria tinha por finalidade inspecionar, encaminhar e auxiliar processos
imigratórios bem como vistoriar os assentamentos de colônias. Efetivamente o
contato com os modelos de imigração europeia acabaram por influir nas suas
convicções defendidas na década de 1920 como foi dito anteriormente.
A
cargo do governo mineiro, Reis esteve na Suíça e na Itália com a finalidade de
estudar a política emigratória nos primeiros anos do século XX. Na sua estada
em Roma, relata que esteve com Vicenzo de Grossi, e puderam delinear as bases para um plano de imigração
italiana para o Brasil, especialmente para o Estado de Minas Gerais, cujo
governo tinha a incumbência de estudar o assunto. Com o falecimento de Grossi,
em 1913, e, dentre outros motivos, principalmente por causa do rompimento da
Grande Guerra na Europa, ele admitia, nada mais podiam fazer (REIS; FARIA, 1924).
O momento era outro, e para isso era necessário
retomar o plano de abertura para entrada de levas de imigrantes europeus ao
Brasil, uma vez que, poderia ser recuperado o serviço de imigração. Como
observa Thomas Skidmore, “a barreira de cor incluía-se agora numa proposta mais
geral para expandir o serviço de colonização, previsto pelo decreto de
1907, mas que nunca efetivamente foi instalado” (SKIDMORE,
1976, p. 213). A oportunidade era vista como única, posto que, com o término da
guerra, os EUA como país de preferência do imigrante europeu, impuseram medidas
severas para o estabelecimento de novas entradas no País.
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[1] Mestre em História
pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU; Historiador na Superintendência de Arquivo Público de Uberaba e Gerente Executivo da Fundação Museu do Zebu Edilson Lamartine Mendes.
[2] O PRM foi fundado
em Ouro Preto no dia 4 de julho de 1888 para representar os ideais da República
e da oligarquia mineira ainda no período Imperial. O PRM manteve-se sob
influência dos coronéis do sul mineiro até quando o partido passou a ser
controlado por Arthur Bernardes, que os afastou da comissão executiva,
transferindo esse controle para a região da Zona da Mata. Este partido foi a
maior representação política do estado e principal via de acesso da política
mineira ao executivo Federal, tendo elegido os Presidente da República Afonso
Pena, Venceslau Brás, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa e Arthur Bernardes. A
diluição do PRM ocorreu em 1937 com o advento do Estado Novo. Cf. (VISCARDI, 2000, p. 6).
[3] As
chamadas Jim Crow Laws (1877- 1965)
era um sistema de legislações segregacionistas de fundo racista que operaram
nos estados do sul no EUA e atingiam a população negra. De acordo com essas
leis, os cidadãos negros foram relegados à categoria de segunda classe, não
podendo exercer os mesmos direitos que os brancos em diversos aspectos da vida
pública e social. Cf. (Pilgrim,
2000, n/p).
[4] Este
anúncio do BACS foi lançado em março de 1921 e circulou em Chicago nos Estados
Unidos, estimulando norte-americanos a emigrarem para o Brasil. O texto tem os
dizeres: “Brasil: Você quer liberdade e riqueza
em uma terra de fartura? Oportunidade e igualdade ilimitada? Então, compre terras no
Brasil na América do Sul” (Tradução nossa).
[5] O Tratado Internacional Brasil/ EUA de Amizade, navegação e comércio, de 12 de dezembro de 1828, foi colocado em cheque pela BACS, essa foi lei reafirmada entre ambas as nações ao longo de quase 100 anos até o respectivo momento na década de 1920. No artigo III era previsto: “As duas Altas Partes Contratantes, desejando igualmente por o comércio, e navegação de seus respectivos países, sobre a liberal base de perfeita igualdade, e reciprocidade, convirão mutuamente que os súditos, e cidadãos de cada uma delas possam frequentar todas as costas, e países da outra, residir, e comerciar em todos os gêneros de produtos, manufaturas, e mercadorias, e gozarão de todos os direitos, privilégios, e isenções, em navegação, e comércio, de que os súditos, ou cidadãos naturais gozam, ou gozarem, submetendo-se às leis, decretos, e usos estabelecidos”. Cf. (BRASI, 1828). Grifo nosso.
[6] Na década de 20 do século XX, tomava forma a construção a ideia de democracia racial brasileira. Tiago Melo de Gomes aborda que os desejos de barrar a entrada desses imigrantes em potencial, revelam constructos em conflito em torno de discursos que circulavam sobre matizes como as formulações mais claramente adeptas do branqueamento, até visões mais próximas de uma ideologia igualitária. Cf. (GOMES, 2003, p. 310).
[7] A historiadora norte-americana Micol Seigel trabalha com o conceito de história comparada entre o Brasil e os EUA a busca de entender as fronteiras que separam e inter-relacionam os aspectos transnacionais para se pensar as duas nações no ponto de vista de suas concepções sobre categorias como nação, raça e gênero. Nesse sentido, questões como as experiências históricas, colocavam em perspectivas divergentes ao conceito de construção do Ocidente. Propõe que muitos estudos hoje buscam desfrutar de uma nítida noção de interdependência dos agentes globais. Cf. (SEIGEL, 2009, p. 65).
[8] Os estudos de Tiago Melo de Gomes revelam fontes de um intenso debate na imprensa brasileira entre aqueles que eram favoráveis ou contra a entrada de afro-americanos no Brasil. Cf. (GOMES, 2003).
[9] Quando em 1907, o engenheiro Fidélis Reis recebeu da Diretoria Geral do Serviço de Povoamento a incumbência de “estudar reservadamente e de modo a parecer que o faz para seu uso pessoal, a organização do serviço de imigração e colonização, colecionando o mais completo número de dados que puder conseguir” a organização. Cf. (REIS, 1907. n/p.).
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