TITO SCIHPA, GLÓRIA MÁXIMA DO CINE METRÓPOLE



Até a década de 1980, o Cine Metrópole foi a mais elegante e sofisticada casa de espetáculos de Uberaba. Inaugurado em 1941, funcionava anexo ao imponente Grande Hotel que, na época, detinha simultaneamente os títulos de maior edifício de concreto armado e de melhor hotel do Brasil Central. Ambos eram empreendimentos de Orlando Rodrigues da Cunha, sócio diretor da Empresa Cinematográfica São Luiz e também do hotel. Um espelho do progresso da “Princesinha do Sertão” em uma das épocas de ouro da pecuária do gado Zebu.

Durante décadas, o Metrópole foi palco de grandes eventos na cidade. Nos anos 1950, quando as faculdades uberabenses começaram a formar suas primeiras turmas de alunos, o grande auditório lotava, recebendo as famílias orgulhosas que vinham assistir às cerimônias de colação de grau de seus filhos. Muitas vezes, tendo celebridades nacionais, como Juscelino Kubitscheck e Carlos Lacerda, no papel de paraninfos. Mesmo em dias comuns, as sessões de cinema eram concorridas e as regras da casa exigiam que os frequentadores fossem devidamente trajados: aos homens, era obrigatório paletó e gravata.
A casa também recebia shows de música. Muitos que tiveram a chance de frequentar o cinema devem ter notado uma placa de bronze colocada no elegante hall de entrada com os dizeres: “TITO SCHIPA (glória máxima da Arte Lírica) cantou neste teatro – Grande Hotel – Uberaba, em XVII-VII-MCMXLI”. Dai surgiu uma lenda de que esse famoso tenor italiano teria cantado na inauguração da sala, o que não é verdade. Tanto o hotel como a sala de cinema foram abertos ao público no dia 8 de março de 1941, a apresentação de Schipa se deu dois meses depois, em 17 de maio – como indica a data gravada na placa em algarismos romanos.


Algumas semanas antes dele, já havia se apresentado na casa uma celebridade do canto nacional: Vicente Celestino, conhecido como “a voz orgulho do Brasil”. Nascido no Rio de Janeiro, filho de imigrantes calabreses, Celestino emocionava multidões interpretando com estilo dramático e vozeirão de tenor canções de sua autoria, como O Ébrio e Coração Materno. Fez tanto sucesso em Uberaba que a direção do Metrópole foi obrigada a abrir uma segunda apresentação, no dia seguinte, para atender à demanda do público.


Embora também fosse tenor, Raffaele Attilio Amedeo Schipa era quase o oposto de Celestino. Nascido em 1888 na cidade italiana de Lecce, tinha um estilo de canto extremamente doce e sofisticado. Max Altman, um amante da música erudita que foi diretor do Teatro Municipal de São Paulo, descreveu como surpreendente o fato de que “um ‘tenor ligeiro’, como Schipa, tenha tido uma carreira tão longeva quanto frutífera, quando se inteira que era um cantor com demasiadas limitações vocais. Não possuía uma voz potente nem com tons musculares, tinha dificuldades com o floreado, não alcançava a emitir um dó de peito, faltava fundo a sua voz, e, ainda se fosse pouco, nem sequer contava com uma voz particularmente bela nem com potência. (…) Não obstante, é considerado um gênio. Seu instinto musical o colocou num lugar privilegiado da lírica mundial. Schipa, mais que nenhum outro cantor, soube tirar proveito de seus dons naturais, à base de engenho e inspiração, e criou um estilo original e personalíssimo de interpretação”.

“TITO SCHIPA (glória máxima da Arte Lírica) cantou neste teatro – Grande Hotel – Uberaba, em XVII-VII-MCMXLI”.

O fato é que, em maio de 1941, Tito Schipa era uma astro internacional de primeira grandeza. Cantava em 11 idiomas diferentes, compunha canções em italiano e espanhol, havia gravado dezenas de discos, integrava o elenco da New York Metropolitan Opera e fazia enorme sucesso em nos EUA e em Buenos Aires. Poucos meses depois, tomou uma decisão desastrosa: voltou à Itália natal, onde tornou-se um artista de estimação do líder fascista Benito Mussolini. Embora tenha retornado à Nova York após o fim da Segunda Guerra Mundial, nunca mais fez o mesmo sucesso. Gravou pouco e dedicou-se ao ensino de música, até falecer em dezembro de 1965.


Na época Uberaba tinha 40 mil habitantes, a maior parte de baixo poder aquisitivo, muitos vivendo na zona rural. A decisão de pagar por uma uma apresentação de Schipa – que fazia uma temporada no Brasil – para cantar em uma casa de espetáculos no interior do País com mais de 1500 lugares, foi uma decisão arriscada da Empresa Cinematográfica São Luiz. Os ingressos foram vendidos a 20 mil reis, um bom dinheiro para a época. Não se sabe se a plateia lotou mas, segundo o escritor Guido Bilharinho, o evento teria dado prejuízo aos promotores. Uma ousadia que ficou imortalizada em bronze no saguão de um belo e histórico cinema, abandonado há décadas.


André Borges Lopes

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