VINTE DE NOVEMBRO: DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA



Desde o início da colonização do Brasil os escravizados passaram a desenvolver as mais diversificadas formas de resistência ao sistema escravocrata, dentre as quais se destacou o Quilombo de Palmares, o maior quilombo da época do período colonial no País.
O líder, Zumbi dos Palmares, foi morto no dia 20 de novembro de 1695, data que se tornou símbolo da resistência negra no Brasil. No dia 20 de novembro é comemorado o Dia da Consciência Negra que, celebrado desde a década de 1970, ganhou notoriedade nas décadas de 1980 e 1990. Atualmente, mais de mil cidades do Brasil consideram o dia 20 como feriado. Em Minas Gerais 11 cidades comemoram o Dia da Consciência Negra: Além Paraíba, Belo Horizonte, Betim, Guarani, Ibiá, Jacutinga, Juiz de Fora, Montes Claros, Santos Dumont, Sapucaí-Mirim e Uberaba, onde foi instituído feriado municipal através da Lei Ordinária nº 10.678, de 2008.

         Em Uberaba durante o século XIX, vários escravizados se rebelaram contra o sistema, através de fugas, homicídios, suicídios e incêndios. Entre os atos de resistências, destacamos a seguir:


ANÚNCIOS DE FUGA


Gazeta de Uberaba, 29 de fevereiro de 1880

Gazeta de Uberaba - agosto de 1880
Gazeta de Uberaba, 31 de outubro de 1880


Gazeta de Uberaba, 01 de janeiro de 1882

AGRESSÃO FÍSICA

Subsérie: agressão física em escrava
Autora: a Justiça
Vítima: Maria Rita, escrava do réu
Réu: Antônio Eloy Cassimiro de Araújo, Barão de Ponte Alta
Assunto: Maria fugiu da casa de seu senhor e se apresentou na Delegacia de
Uberaba, trazendo no pescoço uma grossa argola de ferro, composta de duas metades unidas entre si por dois eixos de pontos rebatidos. Dessa argola partiam duas hastes em sentido vertical, entre as quais ficava a cabeça de Maria, terminando a haste maior como um aro em forma de S. Na perna esquerda, junto aos tornozelos, uma argola de ferro igual à primeira, em tamanho menor e, nas nádegas, leves sinais de açoites. O processo foi arquivado pelo fato de que as escoriações foram consideradas simples.
...Respondeo que há cerca de três meses, tendo sido castigada com açoites por seu senhor o Barão de Ponte Alta, o qual prometeo castigá-la de novo, a respondente amedrontada fugio para esta cidade onde veio apadrinhar-se com o Cônego Santos, vigário desta Freguesia e o Tenente Valamiel, e que estes derão cartas do padrinho para seu senhor a quem remeterão ella respondente. Recebendo o seu senhor as ditas cartas, rasgou-as, tirou os tamancos que trazia nos pés e com elles espancou a respondente e meteu-a em um tronco de campanha, onde a respondente passou a noite. No dia seguinte, mandou por-lhe os pés e os pescoços, os ferros com que apareceu nesta cidade, cujos feichos foram arrebitados na bigorna de uma tenda de ferreiro. Esses ferros impediam a respondente de trabalhar com desembaraço e isto dera lugar a que fosse constantemente castigada. (...) Vendo-se de novo amiasada, fugira na primeira opportunidade que aprezentou em direção a esta cidade em cuja estrada encontraram um tropeiro que quebrou um dos elos da corrente que prendia-lhe os pés por esta forma pôde ella chegar a esta cidade com imença dificuldade...” (Depoimento da escrava Maria Rita. p.9)
Subdelegado: Mizael Luis Cruvinel
Peritos: José Joaquim de Oliveira Teixeira e Thomaz Pimentel de Ulhôa
Promotor público interino: Wenceslau Pereira de Oliveira
Juiz municipal: Egydio de Assis Andrade
Testemunhas: João Machado e Bernardinha (escravos do Barão)
Promotor público: Joaquim José Saraiva Júnior e Theodoro Dias de Carvalho Júnior
Delegado: Theotônio Borges de Araújo e Fortunato José da Costa Lana
Escrivães: Joaquim José de Oliveira Pena, João Batista Pinheiro e Antônio da Silva e Oliveira
Local e data: Uberaba, Fazenda da Ponte Alta, 22 de fevereiro de 1886
Caixa: 24

 

 Registro de fuga de escrava 22/02/1886

Registro de fuga de escrava

 


HOMICÍDIOS
Subsérie: Homicídio por escravo
Réu: Norberto Crioulo
Vítima: Francisco José da Silveira
Assunto: Norberto matou seu senhor a facadas. Processado, foi pronunciado à prisão e ao pagamento das custas. Como estava foragido, foi expedida precatória a Goiás, para efetuar sua prisão. Nesse processo foram arrolados como testemunhas os escravos: Thereza, Africana, trinta anos, solteira, escrava de Francisco José da Silveira (falecido); Thereza, Africana, trinta e três anos, casada, escrava do Alferes Antônio Carrilho de Castro; Caetano, escravo de seu curador, Antônio Borges Sampaio, natural do Porto de Santa Rita do Paranahiba.
Escrivão: José Maria do Nascimento
Delegado: José Elias de Souza
Juiz municipal: Francisco Ferreira da Rocha
Local e data: Uberaba, 12 de dezembro de 1871
Caixa: 22

Registro de homicídio praticado por escravo 12/12/1871

Subsérie: homicídio praticado por escravo
Autores: a Justiça
Réu: Salvador
Vítima: Antônio José Muniz
Assunto: Salvador, munido de um machado, assassinou Antônio, seu senhor. Foi processado, julgado e condenado a galés perpétuas, a ser cumprida na capital da Província. Antes do julgamento, o herdeiro da vítima deu liberdade ao escravo, desistindo da posse do mesmo, como forma de garantir, independente da sentença, que ele não voltasse mais a sua propriedade.
Escrivães: Ricardo Ferreira da Rocha e Antônio José da Fonseca
Promotores: Evaristo Rodrigues da Silva Carvalho e Manoel do Espírito Santo e Oliveira
Juiz municipal: João Caetano de Oliveira e Sousa
Juízes de direito: José de Araújo Bacellar e Zeferino de Almeida Pinto
Subdelegado: João José Botelho
Promotores: João Ribeiro de Almeida Pinto e José Augusto Avelino
Juiz municipal: Francisco Theotônio de Carvalho
Juiz de direito: José Antônio Alves de Brito
Curador do réu: Antônio Borges Sampaio
Escrivães: José Basílio de Araújo e Ricardo Ferreira da Rocha
Local e data: Dores do Campo Formoso, 28 de agosto de 1870
Caixa: 22

 

Registro de Homicídio 28/08/1870

 

 

TENTATIVA DE HOMICÍDIO

 

Subsérie: incêndio praticado por escravo
Autor: Flávio Bernardes Ferreira
Ré: Floriana de Nação, escrava de Eufrázia dos Santos Maciel
Vítima: Flávio Bernardes Ferreira
Assunto: Floriana incendiou a casa de Flávio. Foi processada, julgada e condenada a 500 açoites, distribuídos na porção de 25, de manhã e 25 à tarde, e sua senhora tornava-se obrigada a trazê-la com um ferro no pescoço e nas costas, por 8 anos. A sentença foi cumprida.
Delegado: Antônio Manuel da Silveira
Promotores: Eloy Alves Carrijo e Inocêncio Alves Teixeira de Azevedo
Juízes municipais: José Fernandes da Silva e Constantino José da Silva Braga
Juiz de direito: Joaquim Caetano da Silva Guimarães
Escrivães: José Ferreira da Rocha e Luiz Joaquim da Silva Guimarães
Local e data: Uberaba, 18 de setembro de 1846
Caixa: 19
Digitalizado


Incêndio praticado pela escrava Floriana de Nação 18/09/1846

 

COMPRA E VENDA DE ESCRAVA FLORIANA DE NAÇÃO

Vendedora: Dona Eufrásia dos Santos Maciel
Compradora: Dona Joanna Rosa da Conceição
Bem: escrava Florianna de Nação, 40 anos
Observação: a escrava estava presa nesta Vila de Uberaba, por ter cometido o crime de queimar uma casa de propriedade de sua senhora Dona Eufrásia.
Valor: quatrocentos mil réis
Data: 18/06/1847 Local: Vila de Santo Antônio e São Sebastião do Uberaba
Livro: 04 Páginas: 25, 25 V e 26
Data limite: 15 de novembro de 1845 a 02 de maio de 1855

Registro de compra e venda de escrava por ter incendiado a casa de sua senhora 15/11/1845

 

CALUNDUNS/FEITIÇARIA
 Artigo 64 - É proibido aos escravos:
§ 1º Fingir-se inspirado e predizer o futuro. (pode ser o jogo de búzios)
§ 2º Entitular-se curador de enfermidades por meio de encantos, feitiços ou
orações.
§ 3º Intitular-se possuidor de remédios, segredos e vendê-los sem autorização
legal. (garrafada, chás e banhos feitos com ervas)

Capa do processo do escravo conhecido como pai Domingos e outros em 1863

CARTA DE LIBERDADE

[...] Da forma como se encontra registrado, as alforrias (...) resultaram do senso de justiça, do bom coração e da piedade cristã (...). Aqui as libertações aparecem como concessões devidas ao favor que fazia o proprietário e por merecimento de obedientes e bons trabalhadores escravos. Essa imagem é, talvez, a mais clássica sobre o tema e é facilmente evocada por leigos, em manuais escolares e até por estudiosos menos atualizados. Entretanto, nem sempre essas histórias ocorreram dessa maneira e é importante ressaltar que as trajetórias de cada escravo, de cada manumissão, foram muito mais complexas que o resultado impresso no testamento senhorial. Muito além dos bons serviços prestados, os alforriados (...) certamente investiram em habilidades, em informações, em comportamento, em práticas cotidianas, em sentimentos, para, tempos mais tarde, serem eles os escolhidos pelo proprietário moribundo, entre todos os outros companheiros, para, então, "ganharem" suas Cartas de Liberdade.
Essas histórias pregressas precisam ser consideradas para que os processos ocorridos sejam melhor compreendidos. Desta forma, as concessões senhoriais cedem sua posição às conquistas dos escravos. A perspectiva senhorial da doação é, então, substituída pela perspectiva dos submetidos, isto é, a alforria como resultado de um processo repleto de investimentos individuais e coletivos [...] (PAIVA. 2002, p.313-341.)


Escravo (a): Vítor Crioulo
Idade: não consta
Filiação: Felizberta, falecida esposa do escravo Joaquim de Nação Benguela
Proprietários(as): Antônio Caetano Menezes e sua esposa, Luciana Ferreira de Menezes
Motivo: por ser amado por seus proprietários, porém com a condição de servi-los enquanto forem vivos.
Data: 12/03/1840 Local: Vila de Santo Antônio e São Sebastião do Uberaba
Obs:
Livro: 01 Páginas: 21e 21V
Escritura de carta de liberdade/alforria 12/03/1840

Escravo (a): Maria Crioula
Idade: aproximadamente 5 meses
Filiação: Tristão Crioulo e Isabel Angola, escravos do proprietário
Proprietários(as): Manoel Simões de Sousa e Maria Angélica de São José
Motivo: o fato de terem recebido de José Rodrigues Ferreira, padrinho da escravinha, a quantia de cinquenta mil réis e também pelo amor que eles lhe tinham. Porém, a libertam com a condição de acompanhá-los enquanto forem vivos, para bem educar, criar, ensinar a doutrina cristã, a boa moral e um ofício.
Data: 10/11/1841 Local: Vila de Santo Antônio e São Sebastião do Uberaba
Obs:
Livro: 02 Páginas: 23 e 23 V

Escravinha liberta na pia batismal 10/11/1841


FONTES CONSULTADAS

Cartório do 2º Ofício de Notas, Escrituras e Procurações Fúlvio Márcio Fontoura
Processos 1a Vara Criminal
Jornal Gazeta de Uberaba
Atas da Câmara Municipal de Uberaba nº 1
Revista: 20 de Novembro. DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA

VIVAS, Fernando. Casa Branca MUNDO AFRO. Disponível em: >  https://www.google.com.br/search?q=candombl%C3%A9+casa+branca-bahia&source / >Acesso em: 10 de setembro de 2018

Observação: Em relação ao feriado municipal de 20 de novembro é importante ressaltar que no fim do mês de outubro de 2019 foi concedido uma liminar suspendendo o feriado na cidade, depois que Sindicomércio entrou com uma ação para tentar retirar a data do calendário.
         O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a decisão da suspensão do feriado do Dia da Consciência Negra em Uberaba, celebrado no dia 20 de novembro. O julgamento do mérito da ação aconteceu no dia 14 de novembro. Isso significa que não será feriado na próxima quarta-feira (20) na cidade.
         A decisão é da desembargadora do TJMG, Ângela de Lourdes Rodrigues. O agravo de instrumento foi interposto pelo Sindicato do Comércio (Sindicomércio) contra a decisão do juiz da 5ª Vara Cível de Uberaba, que havia negado o pedido de suspensão do feriado.

João Eurípedes de Araújo
Diretor do Departamento de Difusão, Apoio e Pesquisa e Atendimento

Luiz Henrique Caetano Cellurale
Historiador

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