Gripe espanhola em Uberaba em 1918
A gripe atingiu toda a humanidade e seu contágio
aconteceu em duas ondas. A primeira (até a metade de 1918), teve efeitos
“pequenos”, mas, na segunda (final de 1918), depois de sofrer uma mutação, sua
agressividade tornou-se perturbadora: a velocidade com que se alastrou e os
estragos causados se mostraram sem equivalentes na história – nunca a guerra,
catástrofe ou epidemia tinha feito tantas vítimas em tão pouco tempo.A gripe espanhola foi implacável e universal
Em fevereiro de 1918, a cidade de San Sebastián, na Espanha, foi
infestada pela influenza e, diferentemente de outros países envolvidos na
Primeira Guerra, que censuravam essas informações, na Espanha as notícias foram
amplamente difundidas. Os países beligerantes não permitiam a sua divulgação,
tentando evitar o caos nas fileiras dos exércitos. Geralmente, os governos
atribuíam o nome da doença a outras nacionalidades. Quando a sífilis apareceu
na Idade Média, os franceses chamavam-na de "mal napolitano" e os
italianos, de "mal francês".
Antes do
desembarque do vírus no Brasil, a Marinha, que se empregava na guerra, já
contabilizava altíssimo número de mortes. A gripe teria infectado 90% dos 1.500
tripulantes, causando a morte de 125 marinheiros.
No Brasil,
acreditava-se que o vírus teria chegado por meio do navio inglês Demerara,
atracado em Recife, em 1918. O grande contingente imigratório que o Brasil
recebia também é indicado como responsável pelo alastramento da gripe. As
causas que teriam favorecido o surto epidêmico ainda são confusas e parecem
estar longe de ser apontadas de forma definitiva.
Sabe-se que
muitas cidades viraram, da noite para o dia, cidades fantasmas, como é o caso
de Campinas/SP, que praticamente sumiu do mapa naquele mesmo ano, de acordo com
a historiadora Liane Maria Bertucci, professora de História da Educação na
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e autora do livro: "Influenza, a
medicina enferma" (Ed. Unicamp, 2004).
Em Uberaba, os efeitos também foram devastadores.
A única empresa funerária entrou em colapso por causa da demanda de
sepultamentos, sendo que as urnas funerárias passaram a ser produzidas
artesanalmente pela própria população que se responsabilizava por enterrar os
mortos. Os doentes da zona rural eram conduzidos em redes, por parentes ou
amigos, à procura de atendimento médico. Algumas pessoas contaminadas eram
deixadas às margens das estradas rurais, ainda vivas, para serem enterradas no
dia seguinte, depois do falecimento.
O tempo
de duração da pandemia foi curto, mas suficiente para trazer o sentimento de
luto na maioria das famílias. Conforme se pode observar pela leitura do Livro de Registro de Sepultamentos do
Cemitério São João Batista de Uberaba, pertencente ao acervo da Superintendência do Arquivo Público de
Uberaba, depois de um início tímido no mês de outubro, com apenas dois
casos, atingiu o apogeu no mês de novembro, com 285 óbitos e as últimas pessoas
contaminadas apareceram no mês de dezembro de 1918.
A gripe atingiu toda a humanidade e seu contágio aconteceu em duas ondas. A primeira (até a metade de 1918), teve efeitos “pequenos”, mas, na segunda (final de 1918), depois de sofrer uma mutação, sua agressividade tornou-se perturbadora: a velocidade com que se alastrou e os estragos causados se mostraram sem equivalentes na história – nunca a guerra, catástrofe ou epidemia tinha feito tantas vítimas em tão pouco tempo.A gripe espanhola foi implacável e universal
Livro de Sepultamento da Câmara
Municipal de Uberaba de meados de novembro de 1918. Nov. 1918.
p. 129.
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Amostra do livro de Sepultamento da Câmara Municipal de Uberaba de meados de novembro de 1918. Observa-se o intenso número de mortes identificados como Gripe. Também foram constatadas mortes por Broncopneumonia e sem assistência médica (causas não identificadas). Fonte: Acervo da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba. Nov. 1918. p. 130.
Notadamente as ruas ficaram
desertas. Desertas as confeitarias e clubs, tendo-se até fechado dezoito casas
commerciaes nas principaes ruas. Algumas pharmacias figuram entre essas
casas. (Lavoura e Comércio, 20 de outubro de 1918. p.3).
A Câmara
Municipal de Uberaba instalou postos de socorro (sic) no centro da cidade,
forneceu remédios e nomeou o médico Álvaro Caldeira para o cargo de delegado de
Higiene Municipal (cargo equivalente à médico sanitarista), que lançou um
boletim à população com as seguintes advertências:
"Medidas preventivas
contra a grippe hespanhola":
(...) 2º Evitar o contato das
pessoas em cujo domicílio houver casos de grippe; não receber visitas em caso
de doenças, sinão depois do diagnóstico médico; não permanecer em logares em
que haja agglomeração (theatros, cinemas, etc.); evitar resfriamentos, que são
a porta aberta à infecção.
3º Friccionar o corpo com
toalha felpuda, embebida ou não em alcool de 40 gráus, caso se esteja com as
roupas ou pés molhados, lavar frequentemente as mãos com agua e sabão,
esfregando-as antes das refeições, com alcool, quando possivel.
4º Não comer frutas verdes,
nem dar às creanças ballas coloridas ou doces indigestos, evitar perturbações
gastricas e toda sorte de excessos ou fadigas; não usar de verduras, sinão
depois de bem lavados.
5º Usar gargarejos com aguas
oxygenada (diluída em parte egual de aguar fervida), com agua salgada (1 colhar
de chá de sal de cozinha para meio copo d'agua fervida), com agua salgada (1
colher de chá de sal de cozinha para meio copo d'agua fervida), com cozimento
de folhas de goiabeira ou ainda com succo de limão (o succo de um limão
misturado em meio copo d'agua fervida); as pessoas abastadas poderão usar, de
preferencia, o seguinte colluctorio: Titura de iodo -2gr; Menthol -20
centígramas, Clycerina - 20 gras.
6º Applicar no nariz, pela
manhã e à tarde, algumas gottas de glycerina com menthol e goomenol ou aspirol,
acido borico mentholado (...) (Lavoura e Comércio, 28 de novembro de 1918)
No dia 20 de dezembro surgiram os últimos casos com o diagnóstico
de gripe. O historiador que se debruçar sobre o assunto poderá verificar que a
sociedade não se omitiu diante da tragédia. As pessoas se mobilizaram e, mesmo
com as limitações típicas do período, arregaçaram as mangas e evitaram que a
proliferação fosse mais contundente. Com o fim do problema, o registro do
jornal revelou a importância da mobilização da população e o luto nesse período
funesto da história local.
Referencial bibliográfico:
BERTUCCI,
Liane Maria; Influenza, a medicina enferma; Ed. Unicamp.
Fontes consultadas:
Jornal: Lavoura
e Comércio, Uberaba, outubro e
novembro de 1918. Acervo: Superintendência do Arquivo Publico de Uberaba
Livro: Registro
de Sepultamentos de Uberaba, 1911 A 1930. Acervo: Superintendência do
Arquivo Publico de Uberaba.
Pesquisa e texto: Luiz Henrique Cellurale
Apoio: Priscila
Mariano
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