Greve dos cocheiros em Uberaba no ano de 1909
Em 1909, uma
greve (ou parede, como era conhecida) dos cocheiros paralisou o sistema de
transporte de passageiros na cidade, feito por meio de charretes
Cocheiro
era a profissão dos condutores de charretes ou troly, muito conhecida no final do século XIX e começo do século
XX. Os cocheiros conduziam os passageiros que desembarcavam na estação da
Mogiana, localizada naquela época no cruzamento da rua Padre Francisco da Rocha
com a rua Arthur Machado, e se dirigiam para o centro de Uberaba.
Charrete atravessando a Praça Rui Barbosa. Ao centro vê-se a rua Artur Machado, atual Calçadão |
Não
havia outra alternativa para a locomoção de passageiros e mercadorias.
De
acordo com informações do jornal Lavoura
e Comércio, muitos cocheiros não obedeciam a tabela de preços estipulada na
legislação municipal e também cometiam outras infrações ao Código de Posturas
que foi aprovado no final do século XIX, conforme se observa abaixo:
Art. 4º Fica alterada da seguinte
forma a cobrança do imposto sobre carroças e vehiculos de aluguel:
§ 1º cada carroça
de aluguel para condução de cargas no perímetro da cidade pagará anualmente o
imposto de 15:000;
§ 2º Cada troly ou
outro vehiculo de passageiro que funcione no mesmo perimetro pagará 30:000
ahualmente;
§ 3º Tanto as
carroças como os vehiculos referidos nos paragraphos antecedentes ficam
sujeitos a numeração e registro na municipalidade;
§ 4º Os
proprietarios dos carros supra-citados ficam ainda obrigados a requererem
licença, obtendo alvará todos os anos;
§ 5º A licença
referida no paragrapho antecedente deve ser requerida do dia 1º a 31 de Janeiro
de cada exercicio;
§ 6º Os
contraventores pagarão a multa de 10:000 e o duplo na residência;
(Atas da Câmara Municipal de Uberaba. Livro 03 pp. 142
v, 143 e 143 v)
Diante da não observância da lei, o agente executivo (cargo
equivalente ao de prefeito municipal) Philippe Aché resolveu estabelecer
critérios mais rígidos e, por meio de decreto, decidiu o seguinte:
Serão punidos os cocheiros que abandonarem os
vehiculos sob sua direcção, que exigirem do passageiro maior preço do que o da
tabella, que chamarem passageiros com imprudencia, atordoando-os ou a outras
pessoas e que fizerem algazarra na estação da estrada de ferro perturbando a
ordem e invadindo atropeladamente a plataforma. Além de carreiras exageradas em
ruas ruins, falta de compostura nos acompanhamentos fúnebres, algazarra na
praça da Matriz, etc. (Lavoura e Comércio, 4 de novembro de 1909)
Isso
provocou descontentamento entre essa categoria e a reação foi imediata, com a
decisão de paralisar os serviços oferecidos. Eles reivindicavam melhorias nas
condições de trabalho e aumento no valor que era cobrado aos passageiros.
Diante
da greve, os viajantes que chegavam à cidade foram obrigados a fazer o trajeto
da Estação da Mogiana até o centro da cidade a pé, passando pela rua Artur
Machado (antiga Barão de Ataliba), carregando suas malas, caixotes e outros
artigos para o comércio local. A população também sentia os efeitos desse
movimento.
Antiga praça da estação da Mogiana, no começo do século XX, na rua
Arthur Machado, cruzamento com a rua Padre Francisco da Rocha
Ao
analisarmos a foto observamos toda a extensão da rua Artur Machado. No fundo
vemos a torre da Igreja Matriz, na praça Rui Barbosa, onde se concentravam a
maioria dos hotéis e o efervescente comércio. Era uma distância considerável.
Depois
da aprovação do decreto pela Câmara dos Vereadores de Uberaba ocorreu uma
verdadeira batalha entre os cocheiros e fiscais. Muitos condutores se queixavam
da violência com que os fiscais cumpriam as exigências do agente executivo,
especialmente por parte de um fiscal: Genésio Vannucci. Segundo eles: "não
é com violência nem com má criação que se fiscaliza". (Lavoura e
Comércio, 8 de novembro de 1909).
O
jornal Lavoura e Comércio exortou os
condutores a desistirem da greve e a retornarem ao trabalho, visto que estavam
prejudicando a população. Segundo o jornal, a manifestação não contribuía para
o avanço das reivindicações.
A
imprensa sugeria que as queixas contra o fiscal fossem encaminhadas diretamente
ao agente executivo. Um dos destaques da matéria referia-se ao apoio da direção
do jornal aos trabalhadores grevistas. Contudo, ao mesmo tempo propunha que os
cocheiros procurassem o caminho do diálogo e não o enfrentamento.
Através
de edital, o agente executivo tentou substituir os cocheiros por carregadores e
logrou até a sua regulamentação como profissão, com o objetivo de esvaziar a
greve:
O serviço está sendo feito de acordo com o edital que
motivou o movimento grevista. Na estação o serviço de conducção de malas dos
wagons para os carros ou destes para a plataforma é feito por meio de
carregadores. O que a Câmara deve fazer é regulamentar esse duro serviço
exigindo que todo carregador se matricule e seja remunerado. (Lavoura e
Comércio, 11 de novembro de 1909)
Depois
desta medida, a greve, que durou quatro dias, terminou. O repórter do jornal Lavoura e Comércio do dia 11 de novembro
de 1909 concluiu sua matéria afirmando: "os dias que estiveram parados os
cocheiros aproveitaram para asseiar, melhorar, luzir os seus carros que parecem
todos novos, com as suas toldas luzidias, faiscando aos raios de sol. Há males
que vêm para bem"!
A
paralisação dos cocheiros pode ter sido a primeira greve que aconteceu em
Uberaba e a notícia do jornal tornou possível conhecermos, hoje, a realidade
vivida naquela época pelos profissionais e pela população. A edição do jornal Lavoura
e Comércio demonstrou sua postura contra o movimento e pedia o diálogo com
o poder público. Não podia ser diferente numa época em que vigorava a República
dos coronéis.
Fontes:
Jornal Lavoura e Comércio, edições dos dias 4, 8 e 11 de
novembro de 1909 - Acervo da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba;
Atas da Câmara Municipal de Uberaba, Livro 03 pp.
142v, 143 e 143v; Acervo da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba.
Luiz Cellurale
Miguel Jacob Neto
Revisão: Rita Hoyler
Revisão: Rita Hoyler
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